Autor: Jon Talber[1]
Atualizado: 30 de Maio de 2022
Por natureza, uma entidade humana, além das características comuns a outros animais irracionais, possui o dom da Reflexão Voluntária. Mas este atributo existe apenas como potencial ou de modo latente. Por potencial, entenda-se a capacidade inata que tem uma semente de germinar em solo apropriado, e embora possua este potencial, só irá florescer se encontrar o respectivo solo fértil.
O caminho existencial é uma trilha sem marcas ou delimitações que deverá ser percorrida por cada indivíduo da espécie humana. E existe o caminho principal, e este se estende do nascimento ao fim da vida terrena. Nesta estrada virtual e sem uma forma pré-definida, as vias adjacentes ou secundárias, aqueles caminhos que não conduzem a lugar algum, estes existem aos milhares, sendo, portanto, os mais comuns.
Estes poderiam ser representados por Nossas Escolhas, os efeitos de cada ato praticado, os efeitos dos atos praticados por terceiros e que diretamente nos afetam, assim como todos os desdobramentos protagonizados a partir das causas próprias da trama social na qual, como personagens ativos, estamos irremediavelmente inseridos. E assim, mesmo que indiferentes a tudo isso, não há como adotar uma postura apenas passiva ou neutra. De fato, a neutralidade é uma ação voluntária, uma escolha consciente, um efeito criador de incontáveis causas.
Dentro da aparente realidade humana, como aprendizes, podemos nos considerar como principiantes ou alunos do jardim da infância. E escolher um caminho não é tarefa simples para principiantes. Um principiante, por seu perfil imaturo, está mais sujeito a cometer equívocos em suas escolhas, uma vez que ainda lhe falta a competência própria da experiência de vida, uma condição que depende de tempo, frustrações e muitos tropeços para ganhar forma e se consolidar.
Um caminho também sugere a existência de um destino ao final. Mas, como escolher um destino sendo incapaz de saber onde está situado o início? Sim, um calouro, até pela sua condição de principiante que dá os primeiros passos, ainda não tem como saber aonde quer chegar, ou qual poderia seria o caminho capaz de conduzi-lo ao seu destino definitivo, especialmente quando sequer tem uma ideia clara do ponto onde atualmente se encontra.
Pode estar a apenas um passo do seu caminho, ou a milhares de distância. E há duas categorias de aprendizes, e um deles é aquele que já possui uma longa experiência de vida, por isso, na maioria das vezes, tem mais idade, embora o status etário não seja uma regra inflexível ou uma condição capaz de conferir ao seu portador maturidade consciencial. O outro é jovem, com pouca ou nenhuma experiência de vida, e como no primeiro caso, nem sempre sua condição etária é um fator capaz de determinar o volume de sua maturidade consciencial. Em comum, ambos estão em busca de uma mesma coisa, o seu verdadeiro destino ou Motivo Existencial.
Deixando de lado as diferenças etárias, estão em busca de orientações, esclarecimentos ou aportes que faculte a ambos, pelo menos, descobrir se existe de fato um caminho pessoal, ou coletivo, a ser percorrido.
Mas o caminho existencial não se limita a simples realização profissional, social ou a consolidação de nossas crenças espirituais. Uma superior qualificação profissional ou larga experiência de vida, embora faça parte do caminho existencial de cada um, representa apenas uma pequena fração ou discreta camada desta busca.
Sendo a estrada da busca existencial uma trilha não delimitada rumo ao desconhecido, tanto o caminho quanto destino, nenhum dos dois, admite uma mente que não seja flexível, questionadora, apaixonadamente curiosa. E nesse caso há uma dramática diferença entre a curiosidade meramente acadêmica e a curiosidade própria de uma mente inocente.
A curiosidade de cunho acadêmico, a tradicional, segue protocolos já estabelecidos e apenas procura confirmar ou consolidar hipóteses, teorias ou paradigmas já definidos. Neste caso, percorre-se um caminho já conhecido em direção a um destino pré-determinado, motivo pelo qual a motivação do aprendiz se limita a seguir regras e por isso mesmo quase não há expectativas em relação ao que irá encontrar ao final da trilha. A curiosidade própria da mente inocente parte do principio de que nada sabe, muito menos sabe o que espera encontrar, por isso sua expectativa é também sua força motivacional; a força própria de uma mente aberta que, por não resistir às mudanças, se renova a cada novo desafio.
Uma mente que já sabe antecipadamente o que vai procurar apenas será capaz de enxergar aquilo que já lhe é familiar. E paradoxalmente, uma mente que ainda não sabe o que procura, sempre estará mais apta a conhecer a verdade, caso exista alguma.
Por tradição, a mente religiosa é restrita, condicionada, limitada pela fé, não admitindo trilhas alternativas além do conjunto de regras, paradigmas, dogmas e preceitos já estabelecidos, consagrados e consolidados que dão sustentação às suas crenças. O sectarismo não admite a princípio da dúvida, os questionamentos, já que suas verdades são irrefutáveis e, portanto, não discutíveis. Por isso nunca há aprendizado, apenas conformação e passividade, o que antagoniza com o aprendizado genuíno, cujo combustível é a contestação, a dúvida.
Os guias religiosos já conhecem todos os caminhos, todas as verdades, e apenas replicam ou repassam suas certezas, que nunca poderão ser refutadas. Mas um guia só é capaz de conduzir de um ponto conhecido para outro igualmente conhecido. Parte de um ponto que já trilhou para outro também já explorado. Sairá sempre em busca de uma projeção de si mesmo; uma continuidade modificada daquilo que já experimentou. E assim é o tradicional caminho das ideologias ou doutrinas sectárias.
Curiosidade sem inocência tem o mesmo valor que a cova de um cultivo sem sementes. A curiosidade que se presta tão somente a preencher a ociosidade mental, é como um quarto repleto de Objetos sem Utilidade, onde se guarda de tudo, na esperança de que um dia alguma daquelas bugigangas venha a ter alguma serventia. Ocorre que, com o tempo, os objetos se desgastam, perdem sua funcionalidade, e seu dono sequer é capaz de lembrar o que ali, naquele depósito de tralhas, foi acondicionado.
O que ainda não somos, é isso que se busca. Mas, como encontrar aquilo que ainda não somos se sequer sabemos o que somos?
Podemos considerar a porta que se abre com a experiência, como o ponto de chegada de um longo caminho, uma conquista capaz de proporcionar mais Motivação e Consistência a nossa busca. No entanto, no papel de principiante, qual seria a chance de que aquele caminho fosse capaz de nos conduzir a um destino definitivo, um lugar onde finalmente encontraríamos todas as nossas respostas?
No entanto, será que há um lugar capaz de abrigar todas as respostas? Importante é lembrar sempre de que, as respostas que buscamos agora, quando respondidas, servirão de base para a elaboração de questões mais qualificadas, numa cadeia de dúvidas de proporções infinitas, o que constitui uma busca sem fim. Um novo caminho sugere uma trilha repleta de dúvidas não respondidas, o que antagoniza com aquela busca essencialmente religiosa cujos caminhos já conhecidos estão repletos de certezas tiradas da tradição, respostas já consagradas e não mais sujeitas à revisões, ajustes ou concessões.
Na verdade, como ainda não sabemos o que procuramos qualquer caminho parece atender às nossas demandas. Quando não sabemos para onde ir, qualquer destino é válido. O problema é que também não sabemos quais são nossas demandas, motivo pelo qual, como mendigos, vivemos batendo de porta em porta em busca de algum tipo de aporte, qualquer que seja. Esta busca sem direção, inexoravelmente sempre irá nos conduzir a caminhos secundários que não conduzem a lugar algum.
Por isso a crença religiosa ganha tanta importância em nossas vidas, afinal de contas, ali encontramos, além de uma confortável zona de repouso, um conjunto de respostas protocoladas por “robustas autoridades” capazes de dissipar, embora apenas temporariamente, quase todas as nossas dúvidas. No entanto, embora a crença com suas promessas, soluções e certezas absolutas nos proporcione um certo alívio psicológico, no fundo ainda existe uma espécie de vazio, uma inquietação difusa, difícil de explicar, difícil de suprir, impossível de erradicar.
As crenças, por sua natureza abstrata, embora consoladoras, não se mostram capazes de atender plenamente nossas verdadeiras carências existenciais ou espirituais, mesmo que não tenhamos nenhuma. Muito menos responde de maneira definitiva e libertadora a todas as nossas dúvidas. Servem, entretanto, de reforço para consolidar nossas ilusões e fantasias. As crenças dependem de nossa fé para existir, e a fé é sempre passiva, tem como base as ilusórias garantias de dias melhores, assim como soluções para todos os nossos gargalos pessoais e sociais. A religião nada ensina, apenas decreta regras, paradigmas e dogmas, enquanto reforça nossos devaneios e sonhos, que de maneira apaixonada e axiomática deverão ser acolhidos e aceitos.
O aprendizado é outra coisa. Depende da dúvida, da absoluta falta de certeza, da autoexperimentação, de uma mente viva, inocente, disposta a abrir mão de suas mais enfáticas certezas, não sujeita a devaneios, passividade ou submissão.
Disse-o certa vez em seus estudos sobre o comportamento humano o notável cientista matemático, pensador e filósofo francês Blaise Pascal: Blaise Pascal, em seus estudos sobre o comportamento humano: “Existem duas maneiras pelas quais as opiniões são admitidas na alma, e são elas, o entendimento e a vontade. A mais natural é a do entendimento, pois nunca deveria consentir senão as verdades demonstradas, embora a mais comum seja a da vontade, pois todos os homens quase sempre são levados a crer não pela prova, mas pela qualidade do agrado recebido em troca de sua submissão...”
As alienações são subprodutos da fé cega, e por não exigirem do protagonista qualquer tipo de autovivência ou autoexperimentação lúcida, quando então poderia comprovar ou descartar suas crenças ou “certezas”, demonstra uma absoluta ausência de Lucidez Consciencial. Na contramão, a autoexperimentação, desde que lúcida, embora nem sempre compreendida, sem extremismos ou radicalizações, é capaz de nos conduzir à Lucidez Consciencial.
O homem religioso é essencialmente um homem repleto de dúvidas, e paradoxalmente, quando maior sua fé em relação aos paradigmas, dogmas sagrados, guias, santos, símbolos ou blindagens que dão sustentação às suas Crenças e Superstições, menos certeza de suas “certezas” ele tem. Assim, acaba aceitando tudo aquilo por força da repetição, tradição ou simples conveniência, enquanto em seu íntimo sabe e sofre com suas incertezas.
A ideia de uma boa colheita de nada serve sem o respectivo plantio. O plantio é a coisa factual, real, sólida, concreta, verdadeira. E assim, do mesmo modo que não é possível se conhecer o sabor de um fruto a partir de sua alusão ou descrição, também não é possível construir uma obra concreta usando como alicerce estável apenas a imaginação, alegorias, mitos, crendices, ilusões ou fantasias, não importando qual seja a Qualidade, Status ou Pedigree da fonte patrocinadora.