"O tamanho da angústia de cada um se mede pela quantidade de desejos não realizados..."
Pouco depois do nascimento, quando informalmente somos instruídos sobre as primeiras noções de mundo, o conceito de que as coisas são temporárias apresenta-se como nosso primeiro grande problema, ou pesadelo. Eis o motivo pelo qual o desejo de estabilidade e regularidade logo se apresenta como nossa principal diretriz existencial.
Trata-se do desejo de perpetuação das coisas que nos agradam. E há uma evidente sensação de conforto e segurança quando pisamos em terreno conhecido. E assim, o princípio da acomodação ou rotina torna-se um dos ativos mais preciosos para os indivíduos; um poderoso propulsor que move todas as economias do mundo.
A certeza de que as coisas não são permanentes nos incomoda. Assim, renovamos nossos móveis, nossas roupas, nossas ideias, ideais e crenças; a pintura das nossas casas. Isso parece nos evocar a ilusão de que se as coisas não envelhecem, a mesma coisa ocorrerá conosco.
E se a higiene e limpeza desempenham um importante e imprescindível papel quando o assunto é a qualidade de vida, o conceito de limpeza e higienização que a publicidade usa em suas abordagens tem outro objetivo. Ali, limpeza significa estabilidade, segurança; uma negação ao natural estado de degradação e transformação que é o padrão inflexível de todas as coisas existentes dentro do perímetro da natureza. Procure por algo que está imune ao tempo, nunca muda ou se recicla, e decerto não encontrará.
Tudo que é criado ou não pelo homem obedece a uma lei cíclica e inflexível, onde as coisas envelhecem – já que o tempo cronológico não pode ser contido – e se desgastam. Assim é inevitável que a estética do belo mude de maneira, que o limpo, embora permaneça asseado, adquira as marcas de expressão que revelam seu evidente desgaste.
A ilusão do novo tem para nós um significado mais profundo que a simples noção de limpeza ou higiene; vai além do conceito de avanço em qualidade de vida. Psicologicamente ela representa a possibilidade concreta da perpetuação de uma coisa à qual nos apegamos. E manter aquilo sempre renovado induz a ilusão de que é possível a eternização, estabilização, o que consolidaria o conceito da vida eterna.
Por isso idolatramos a cosmética sempre jovial das aparências. Mas, para nosso desgosto, vivemos num mundo de coisas velhas, onde nada nunca é verdadeiramente novo. Novidade não é o novo, trata-se simplesmente do velho que ainda desconhecíamos, ou, na maioria das vezes, a mesma condição que ora apenas se apresenta maquiada.
A estética das coisas sempre renovadas a todos fascina, uma vez que parece refletir um desejo profundo que existe dentro de cada indivíduo, onde ele poderia se renovar a cada nova estação; de renascer sem deixar marcas após cada desgosto, desilusão ou frustração; de se refazer depois de cada erro cometido.
Segundo essa lógica, torna-se fundamental eleger alguém que julgamos qualificado para nos guiar. Por isso a autoridade tornou-se uma figura tão importante em nossas vidas. Afinal de contas, ela é a conhecedora de todos os caminhos e supostamente é a única matriz capaz de nos conduzir em segurança em direção à estabilidade que tanto buscamos em nossos relacionamentos, sejam com pessoas, objetos, ideias, ideais ou crenças.
Eis a razão do sucesso por trás da ideia de renovação patrocinada pela indústria do consumo, um conglomerado de muitas faces, seja na confecção e patrocínio de bens duráveis, ou apenas no fabrico e consolidação de dotes ideológicos e espirituais; um poderoso mecanismo que alimentamos com nossos sonhos, dentre eles, o da conquista das coisas impossíveis.
Mas a conquista do impossível não é ideia nossa, trata-se apenas de mais uma estratégia criada para favorecer o consumo. É um conceito fascinante, uma vez que galgar um degrau dotado de tal pedigree nos tornaria psicologicamente e materialmente diferenciados; mais poderosos, apesar de que a mesma mensagem é transmitida e absorvida por todos.
Brilhante e criativo é o propósito por trás dessa peculiar abordagem: o indivíduo que ostenta um produto “obsoleto” ou se posiciona com uma postura fora de moda, por reflexo, também estará ultrapassado, inferiorizado, desgastado e em ritmo acelerado de deterioração pessoal e isolamento social.
É o conceito do status reverso, ou da falta deste. E como no consciente de cada indivíduo a aparência ainda é o seu bem mais precioso, a estratégia funciona. A depreciação de uma posse, não importa qual seja sua natureza, na mente do consumidor, significa a sumária inferiorização do seu status social ou mesmo a sua própria decadência.
É por isso que em público, para muitos, ainda é evidente o desconforto e constrangimento, quando da inevitável exposição de uma postura, ponto de vista, bem pessoal material de qualidade inferior, ultrapassado, ou comercialmente tornado velho.
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Alberto J. Grimm -
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Holística e Consciencial. É também autor dos Contos Reflexivos. Os contos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
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Alberto Silva Filho - É pesquisador das Ciências Cognitivas e orientador em educação infantil e adulta, inclusive da terceira idade, com especialização em Educação Integral. É também escritor de contos infantis e adultos e um dos colaboradores fixos do Site.
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