Autor: Editoria de Folclore - Site de Dicas[1]
Revisto e Atualizado: 02 de Janeiro de 2025
Trata-se de uma variação do Tutu e da Cuca, cuja principal função era disciplinar pelo medo as crianças rebeldes e relutantes em dormir cedo.
Apesar de ser um ente fantástico das nossas tradições, não se compara com mito ao Mapinguari, o Capelobo e o Pé de Garrafa, pois trata-se apenas de um personagem, uma figura, um ponto de referência dentro da literatura oral afro-baiana.
O Quibungo faz parte dos contos romanceados, sempre com um episódio trágico ou feliz, mas sem data que o localize no tempo. É uma espécie de Velho do Saco para os meninos, um temível devorador de crianças, especialmente as desobedientes. Sem dúvida, um meio eficaz de cobrar disciplina infantil pela imposição do pavor.
Não há testemunho ocular de sua existência, mas, em meio ao universo infantil, existe como coisa concreta. Dentro dessas estórias tradicionais, contadas para as crianças inquietas ou teimosas, ele se arrasta como um fantasma faminto, como um feroz devorador de meninos e meninas, que desgrudam da guarda dos seus pais.
É uma figura da literatura oral afro-brasileira, com sua bestial voracidade, sua imensa feiúra, brutalidade e inexistente finaldade moral. Em quase todos os contos em que aparece o Quibungo, há versos para cantar. Este detalhe lembra as estórias contadas, declamadas e cantadas, que ainda hoje podemos ouvir na África equatorial, setentrional e mesmo na China, ao ar livre, para um auditório sempre renovado nas ruas e praças. É o famoso teatro dos bonecos ou marionetes, onde personagens encenam dramas épicos ou outros de finalidades morais e educativas, retratando sempre de uma forma lúdica e didática, os problemas comuns dentro das comunidades.
Em Alger ou Xangai, e mesmo nos países nórdicos, vivem ainda hoje estes artistas de rua, descendentes indiretos dos Mímicos da antiga Roma nos tempos do império. O Quibungo é um forte aliado dentro dessa literatura onde não existem limites para a imaginação.
No Congo e Angola, Quibungo significa "Lobo"[2]. Entre os povos da costa ocidental da África, existiam as hordas de salteadores vindos de outras regiões e que comumente invadiam povoados e aldeias, saqueando tudo; se apossando de mulheres, crianças e demais pertences, e escravizando os homens e os velhos. A este tipo de agressão praticadas pelos grupos invasores, eles chamavam de Cumbundo, e a cada indivíduo que faz parte do grupo, Quimbungo, que pode ser interpretado como "invasor" ou "invadir", ou "aquele que vem de fora sem ser esperado ou convidado".
De tal sentimento de pavor que sentiam, inspirados pelo Quimbungo invasor, associados à ideia e ao terror próprios do Chibungo, como eram chamados pelos povos negros o Lobo animal, nasceu evidentemente na imaginação popular a concepção desta entidade estranha, O Kibungo. Os povos Bantus se encarregaram de transmitir às nossas populações do norte e nelas o mito ainda persiste, mesmo após o desaparecimento dos povos em que teve origem.
Desse modo, o Quibungo baiano é ao mesmo tempo homem e animal. Espécie de lobo ou velho negro maltrapilho e faminto, sujo e esfarrapado, um verdadeiro fantasma sempre presente em meio aos maiores temores infantis.
Não nos é possível determinar se nas estórias africanas o Quibungo conserva a forma e os hábitos do seu similar baiano. O Quibungo africano não tem um ciclo temático igual ao brasileiro. Aqui ele assumiu o mesmo papel já atribuídos ao Tutu-Marambá, ao Bicho-preto, ao Macaco-saruê, ao Bicho-cumunjarim, ao Dom Maracujá, e ao próprio Zumbi, que muitas vezes é sinônimo de Saci Pererê. Do africano herdou a boca vertical, do nariz ao umbigo ou no dorso, assim como já é o nosso Mapinguari. Na Bahia o Quibungo reina e governa em sua missão de assombro aos pequenos.
Assim, o Quibungo baiano é só baiano, não existe em outros lugares do Brasil. É um bicho meio homem, meio animal, tendo uma cabeça muito grande e também um buraco no meio das costas[3], que se abre quando ele abaixa a cabeça e se fecha quando levanta. Engole as crianças abaixando a cabeça, abrindo o buraco e jogando-as para dentro. É também um feiticeiro, demônio, lobisomem, macacão, preto velho. No fundo continua sempre a ser um ente estranho e canibal, que prefere a carne tenra das crianças[4][5].
Outro ponto digno de menção sobre o Quibungo, é sua completa vulnerabilidade. Pode ser atacado por qualquer meio, arma branca ou de fogo. Morre gritando, espavorido, acovardado, como o mais inocente dos monstros que a imaginação infantil dos povos já criou.
Nomes comuns: Kibungo, Chibungo, Quibungo.
Origem Provável: A influência africana é determinante, mas não influenciou que se espalhasse por outros Estados do Brasil. Negros escravos Bantus se espalharam por toda parte. Em Pernambuco ficaram muitos. Mas O Mito do Quibungo não acompanhou estes, nem em Sergipe, onde ficaram outros tantos.
A versão brasileira, é originária da Bahia. Os aspectos do personagem baiano brasileiro, difere do africano. Serviu a África apenas como fonte de inspiração. Apesar de ter origem entre os povos negros Bantus que migraram para a Bahia, não se espalhou para os demais estados, mesmo diante do grande afluxo desse povo para outras regiões do país.
O Quibungo se tornou baiano, e assim ainda continua. Se fosse de origem africana sem dúvida acompanharia seus habitantes para onde quer que estes se deslocassem, fato que não ocorreu no Brasil. Ele não é citado nas estórias nem do Nordeste, nem do Norte. Foi importado da África como protótipo, mas reestruturado e climatizado pelos brasileiros baianos com base nas crenças locais já existentes.
Desse modo, ele herda aspectos do Velho do Saco, do Lobisomem, etc. A referência à sua boca às costas, mais lembra o próprio Velho do Saco, que literalmente engolia as crianças pelas costas, uma vez que depois de ensacá-las, jogava o surrão sobre seu dorso e ia embora.
O Homem do Surrão ou "Velho do Saco", faz parte de estórias portuguesas e está espalhado por quase toda Europa. É um homem velho, esfarrapado, sujo, muito feio, que procura agarrar as crianças vadias ou descuidadas e metê-las num grande saco de couro, de abertura larga, pronta para este fim.
Não se sabe como morrem as crianças. Se o Homem do Surrão as devora, mata-as pelo prazer de matá-las, ou apenas escraviza-as. Cada criança que o Homem do Surrão segura é sacudida no surrão que se fecha. Para este movimento é preciso que o Homem do Surrão baixe a cabeça. Então o surrão abre-se. Presa a criança, fechado o saco, o Homem do Surrão ergue a cabeça. São as mesmas atitudes do nosso Quibungo com sua suposta imensa bocarra. Pela descrição, a boca do Quibungo é um saco.
No mais, é mito local, trabalho conjunto afro-brasileiro, uma silhueta disforme e negra que caminha, não nas florestas como o Mapinguari, e sim nos contos populares como as Histórias da Carochinha.
[2] Frei Bernardo Maria de Cannecatim (Dicionário da Língua Bunda ou Angolense, Lisboa, 1804), registra Quibungo talqualmente pronuncia o Afro-baiano.
[3] Nina Rodrigues - Os Africanos no Brasil. Coleção Brasiliana, vol. IX, p. 301, C.E.N., São Paulo, 1933.
[4] Gustavo Barroso - As Colunas do Templo, p. 64, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1932.
[5] J. da Silva Campos - Contos e Fábulas Populares da Bahia, em "Folclore do Brasil", p. 219.
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