Autor: Editoria de Folclore - Site de Dicas[1]
Revisto e Atualizado: 02 de Maio de 2024
Mestiços e negros, em abundância, era a imagem com a qual os visitantes estrangeiros logo se deparavam ao entrar no Rio de Janeiro. Estavam por toda parte e constituíam a primeira impressão para quem chegava.
Em 1792, Sir George Staunton e Lord Mccartney, julgavam que havia apenas 3.000 brancos para uma população de 40.000 habitantes, sendo os demais Negros e Mestiços. Jacquemont, ainda em 1828, afirmara existir 20.000 brancos para 100.000 escravos pretos. O príncipe Maximiliano zu Wied Neuwied, em 1815, tivera a mesma impressão. A cidade estava cheia de mulatos, mamelucos e moleques, escreveu o nobre. Von Martius observara coisa semelhante.
Ministros e representantes diplomáticos, em correspondência privada, dão essa nota crioula ao Rio colonial. Também os brasileiros de puro e meio-sangue fidalgo, nenhuma distância opunham aos seus irmãos de pigmento de cor. Não havia festa pública em que todos não se misturassem. Um colono francês e inglês jamais permitiram as intimidades com um negro liberto ou um mulato rico. No Brasil nunca se deu essa política social de diferenciação hierárquica. Os que acusavam o Brasil das manchas clássicas da escravidão sempre esqueceram de tratar os seus negros no pé de igualdade com que o Brasil escravocrata os tratou. Estas são observações de estrangeiros.
Esses negros e mestiços, numerosos e vibrantes, foram a massa plástica e comunicativa, deformadora e continua, do espírito religioso e dos mitos fabulosos. Eram verdadeiras ondas de força repercutora, levando estórias e entes fantásticos aos confins da cidade que se alastrava criando ramificações por toda parte.
Com a presença da nobreza na cidade, tudo foi mudando em vários aspectos. A corte determinava a aglomeração dos funcionários e candidatos aos empregos ou às honras de medalhas e títulos. Os europeus, atraídos pela sedução de um comércio regular, vieram em grande número. E todo Brasil convergia, lentamente para o Rio de Janeiro. Negros e mestiços foram sendo substituídos nas atividade sociais, de humildes às mais ilustres, pelos filhos dos homens de títulos, os filhos dos altos comerciantes, os protegidos dos ministros. Assim, a corte foi mudando de cor.
Mas o Rio de Janeiro manteve seu aspecto espiritual quase igual aos princípios do século XIX até o início do XX. O Rio das procissões, entrudos, festas populares, assombrações e bruxedos, o Rio com seus tipos comuns que toda a gente conhecia, fielmente foram fixadas nas pinturas de Debret e Rugendas, ainda assim permaneceu por muito tempo.
Com as transformações arquitetônicas da cidade, ruas, avenidas, praças, iluminação, novos conceitos urbanísticos, a população recuou para a periferia e ali se estabelece, vagarosamente, reformando suas superstições e crenças às novas realidades dos tempos.
E há então diversos Rio de Janeiro. Um noturno e elegante. Outro misterioso e negro de bruxarias, macumbas, feiticeiros que enriquecem[2], médiuns com muitas passagens pela policia, negros que “estudaram em Loanda”, etc. Há outro Rio fiel às suas religiões africanas, misturando conscientemente a tradição negra com as solenidades católicas, as festas marítimas, as orações fortes, os “médicos” de curso difuso, revelados por João do Rio, em “Religiões do Rio”. Há também um “Sertão Carioca”, com vida autônoma, com hábitos e horizontes diversos.[3]
Nos arrabaldes do Rio de Janeiro, Irajá, Madureira, Jacarepaguá, Campo Grande, Guaratiba, Santa Cruz, Rio de Janeiro das ilhas, há muito se “sertão” e de “colônia”. O afluxo incessante de novos moradores, vindos de regiões onde os mitos estão vivos, dá força e perpetua os já existentes. Ainda corre o Lobisomem, trota a Mula-sem-Cabeça, assovia o Saci-Pererê, surge a Caipora, ilumina a noite com seus olhos flamejantes o Boitatá. Nos rios e lagoas ouvem-se vozes encantadas e há o encanto das sereias que esconderam riquezas em suas águas. Mesmo com a surgimento da civilização moderna e o inevitável progresso, os Monstros mudam de forma, mas nunca sua essência maléfica.
No fim do século XVI chegavam a 20.000. Em 1822, para 244.000 habitantes havia um volume de 133.000 escravos. Ainda em 1856 a proporção era de 45%.
Primeiramente os indígenas foram dizimados nas caçadas oficiais, desapareceram, morrendo ou fugindo para as matas e as montanhas. A maioria dos prisioneiros, não suportando o cativeiro, logo, de alguma maneira, tratavam de morrer o mais rápido possível, única forma que encontravam para se tornarem livres outra vez.
O Negro que veio para substituir os índios, ficaram inicialmente nos plantios e depois foram para o plantio de açúcar e mais tarde o café. Com o avento do café, também se tornaram homens de confiança dos senhores ricos e os encarregados de animais de carga, dos comboios de burros e jumentos, que batiam, terra adentro, para São Paulo de Minas Gerais, levando e trazendo compras.
Esse elemento que devia ter um poder impressionante, decisivo, sobre a imaginação popular, não o tem no entanto. O volume de milhares de escravos, nas fazendas, do açúcar e café, se reduz a atividade nas festas católicas, forma de alegrar os santos pretos sob roupas vistosas, os coroamentos dos Reis do Congo, Reis de Angola, as procissões de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, o batuque infindável, as cerimônias sonoras de São João, São Pedro, do Santo padroeiro da fazenda e, escondidos, em menor número, vagos, fortuitos, reuniões em louvor dum orixá longínquo.
O índio expulso e exilado da terra, cravou sinais indeléveis no espírito coletivo. Ele e o branco continuam unidos na sucessão dos monstros e dos espantos que correm noite afora.
A Editoria de Pesquisas Folclóricas, é composta por dois antropológos, sendo um deles também folclorista, historiador e publicitário. Contamos ainda com a colaboração de uma pedagoga e antropóloga especializada em Tradições Populares e Costumes Antigos, e também com as valorosas contribuições dos nossos leitores.
>>> Bibliografia consultada.
[2] Vide na “A Noite", de 21 e 23 de março de 1935 as aventuras prestigiosas de Hermínio Rizzo, cujas consultas eram pagas na taxa mínima de 500$000.
[3] Magalhães Corrêa, mostrou esse outro mundo em “Sertão Carioca”, Rio, 1936.
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