Adaptação e Revisão: Alberto Filho[1]
Conteúdo Revisto e Atualizado: 17 de Maio de 2024
"Um dos mais devastadores elementos de deformação psicológica de crianças e jovens já criados pelo homem, ainda é o processo da Superproteção..."
O rapaz olhou encabulado para a mãe e para seus amigos. Meio desajeitado, num misto de constrangimento e vergonha, nem sequer tentou resistir: olhou ao redor sem encarar os seus colegas e disse um "Bem, acho que já vou saindo...", e depois, quase à porta: "Bem, boa noite..."; encolheu-se dentro do grande carro negro reluzente que o esperava à saída, debaixo dos olhares cruzados de todos.
Os comentários ficaram na penalizada troca de olhares dos que assistiram à cena, já tão repetida; um como "que fazer?” diante da respeitável dama que teima em tratar um rapaz de 22 anos como se fora uma criança.
Mas, alguém apreensivo com o destino do amigo tiranizado, pouco depois, chegou a me dizer: "Aquele que saiu é meu colega desde a escola primária. Nunca comprou uma camisa, nem escolheu uma roupa. A mãe o leva e o vai buscar a qualquer festa, a qualquer lugar ou a qualquer parte. Se ela está presente e alguém lhe oferece um sorvete ou uma bebida, ele não é capaz de dizer sim ou não sem antes buscar ansioso um olhar aprovador ou desaprovador da sua mãe. Tenho pensado muito no que será dele quando ela se ausentar. E, entretanto, uma grande responsabilidade o espera: ele terá que dirigir, um dia, uma grande empresa, de uma tradição familiar. É um ótimo rapaz, mas como se arranjará se nem sequer aprendeu a dirigir a si mesmo?"
E continuou: "Acho que um invisível cordão umbilical ainda o liga intimamente à sua genitora. Mesmo na sua ausência parece ser comandado pela "central" materna à distância. Todos sentem isso e um amigo comum, mordaz e irreverente, chegou a sugerir, numa comparação de péssimo gosto, que aquilo parecia uma "Mamãe-Patrulha", explicando: "É que a mãe o escolta, o protege e o guia". Ninguém achou graça e todos nós, que o estimamos, sentimos maior ainda a amargura dessa vida cingida à saia materna..."
O desabafo me fez deter a atenção naquele grupo. Todos eram rapazes bem-nascidos e bem-criados. Nenhum deles pertencente ao clã dos "bons moços" arruaceiros ou dos grã-finos acaba festas coisa tão comum na classe média alta hoje em dia.
Nenhum deles tinha bebido demais, nem o lugar era "impróprio": comemorava-se com refrigerantes e sucos o aniversário dum jovem químico de 23 anos, recém-graduado, na casa da sua própria família, tudo na mais perfeita ordem.
Mas como em qualquer parte um relógio já tinha batido dez horas e estava chovendo, uma mãe muito extremosa cuidou que o seu filhinho de 22 anos – um metro e oitenta de altura e 90 quilos de peso – poderia se perder na rua ou molhar a sola dos sapatos ou, quem sabe, na melhor das hipóteses, contrair... um resfriado? Não era possível expor assim a frágil “criança” à insídia daquela noite marcada por chuviscos enervantes, ruas empoçadas, céu sem estrelas.
Meu jovem amigo, a sua apreciação sobre o futuro do seu colega é deveras preocupante. Receio, como você, que se ele tiver um dia de se pôr à frente de qualquer organização e lhe faltar a assistência materna... "poderá até morrer de sede se alguém não lhe disser que pode beber água – não, não penso que chegue a tanto..."
"Então, o Que fazer?"
Bem, creio que o pior já foi feito. Ele está tão "trabalhado" pelo exclusivismo materno que dificilmente se recuperará. Morta a sua mãe, ele, por um mecanismo psicológico demasiado conhecido, procurará substituí-la ansiosamente, casando-se com uma mulher de temperamento igualmente autoritário que, governando-o nos menores gestos, lhe fará voltar à calma e única forma de vida que conhece: a vida dirigida pela mulher-mãe, que será, então, a esposa-mãe. Jamais será chefe de qualquer coisa, nem mesmo da sua própria família, pois casando será apenas uma espécie de "príncipe-consorte", e, por favor, não faça trocadilho, você aí.
"Não poderia o senhor dizer alguma coisa a esse respeito, à mãe do rapaz, sim?"
Temo que ela não fosse capaz de compreender, mas, mesmo que entendesse, ela própria, a esta altura, teria grandes dificuldades para modificar-se. Quanto ao filho, o seu estilo de vida já o selou com endereço registrado. É um caso difícil.
A sua mãe o criou "para si" e não para a sociedade. O belo rapaz foi reduzido à condição de simples autômato, manobrado pelo seu capricho hoje, amanhã por um sub-rogado materno, por uma "substituta" da mãe, pelo "poder materno" projetado noutra mulher que lhe suceder. Em tempo algum lhe foi permitido tomar qualquer iniciativa. Não lhe concederam, sequer, uma oportunidade de decidir por si mesmo.
Nunca lhe ensinaram a guiar-se, nem a saber escolher, e nem mesmo o consultaram quando decidiram a sua futura carreira.
Creio, meu amigo, que o seu colega e a sua excelentíssima mãe sejam casos sem jeito. Ensinar a ela, aos quase cinquenta anos, como educar os filhos, isso, definitivamente, de pouco proveito lhe será. Ensinar a ele, aos vinte e dois, o que lhe deveria ser ensinado desde os quatro anos de idade, será um encargo pesado demais para si.
Mas se esta nossa conversa fosse escutada por uma jovem mãe com tendências semelhantes, bem, neste caso, quem sabe se as nossas palavras não lhe fariam meditar sobre as funestas consequências desse "Mãezismo" férreo e Mutilador?
Sim, quem sabe...?