Autor: Alberto Grimm[1]
Atualizado: 21 de Maio de 2022
No escritório improvisado, localizado num pequeno cômodo à frente do seu quarto de dormir, planejara trabalhar até tarde da noite. Sua intenção era finalizar o texto final de um importante e urgente projeto, o mais rápido possível. Mas, incapaz de resistir ao pesado sono que tornara sua vigília um verdadeiro martírio, contrariado e frustrado, decidiu ir deitar-se. Nem escovou os dentes ou trocou de roupa, não deu tempo, simplesmente desabou sobre a cama e apagou, sem sequer tirar os chinelos.
Não sabe exatamente quanto tempo dormiu, mas, de repente despertou com a viva impressão de que alguém o chamara pelo nome. Nada de anormal, isso se não estivesse sozinho em casa.
Abriu os olhos e permaneceu deitado na mesma posição, imóvel, olhando fixamente em direção à porta do quarto que estava aberta, com a clara sensação de que por ali, a qualquer momento, iria entrar uma pessoa, cujos passos apressados ele podia escutar a percorrer o pequeno vão que ligava a sala principal da casa ao pequeno cômodo iluminado que usava como escritório à frente do dormitório.
Cessaram os passos, mas ninguém passou à frente da porta ou entrou no recinto. Ao invés disso, tudo mergulhou num grande e pesado silêncio, razão pela qual duvidou se de fato escutara mesmo alguma coisa.
O pequeno cômodo à frente do seu quarto era um espaço discreto, mas suficiente para abrigar uma pequena mesa, três cadeiras de palhinha e uma acanhada estante com seus livros mais preciosos; um espaço mais que necessário para alojar seu local de trabalho. Também era usado como sala de estar ou jantar, ambiente de estudo, ou simplesmente para reuniões informais com os amigos.
Um problema de claustrofobia o obrigava a dormir com a porta do quarto sempre aberta. A luz daquela pequena sala, que sempre ficava acesa durante toda noite, lhe proporcionava à sensação de ambiente aberto, aliviando sua fobia de lugares fechados. Vinha de lá o barulho de pratos e talheres sendo recolhidos, o que sugeria que alguém acabara de servir-se e preparava-se para deixar a mesa.
Através do umbral da porta, sem sair da cama, era possível enxergar claramente parte daquele pequeno cômodo à sua frente, por isso tinha certeza que viera de lá o ruído de uma das cadeiras sendo arrastada insinuando que o visitante acabara de levantar-se da mesa. Tinha certeza porque além do ruído da cadeira, também viu parte de uma sombra humana projetada na parede se mexendo. Viu a sombra, mas não o seu dono.
Seu coração bateu forte e uma sensação de frieza percorreu seu corpo. Esfregou os olhos para certificar-se de que não se tratava de uma alucinação própria do estado de hipnagogia de quem acabara de acordar, e ao olhar outra vez, viu que a sombra sumira, assim como todos os ruídos.
Eis o motivo pelo qual, uma vez mais, duvidou se realmente vira ou escutara alguma coisa. Ainda sonolento e imóvel na cama, até que poderia ficar especulando mais sobre o assunto, não fosse o repentino barulho de um objeto que se quebrara ao cair no chão, vindo do mesmo cômodo à sua frente.
Seguiram-se ruídos de passos descalços, apressados, que se dirigiam na direção do curto vão de três metros que ligava seu escritório improvisado à sala principal da casa. A forte e repentina dose de adrenalina injetada em sua corrente sanguínea deixou-o meio zonzo e ansioso. Seu coração estava acelerado, ficando momentaneamente sem ação e com uma sensação de falta de ar.
E como seu cérebro não era capaz de decidir se simplesmente trancava a porta do quarto ou iria examinar o que estava ocorrendo lá fora, ficou imóvel como estava. Então reagiu e correu até a janela do quarto, por onde pensou em pular e sair correndo rua afora, mas, como o ferrolho estava travado e a última coisa que desejava naquele momento era fazer algum tipo de barulho, resolveu não insistir.
Tentava apenas imaginar quem poderia ser aquele suposto visitante noturno e qual poderia ser sua intenção. Ficou andando em círculos sem sair do lugar e sem saber o que fazer. Seus pensamentos estavam confusos e sua musculatura parecia entorpecida. Impossível era descrever o que sentiu quando o telefone da sala tocou. Deu dois toques de depois parou, como se alguém o tivesse, apressadamente, retirado do gancho.
Então, inesperadamente, de maneira súbita, um indecifrável ímpeto de coragem tomou conta de sua razão. Correu para fora do quarto disposto a resolver de uma vez aquele impasse. E já no cômodo à frente do quarto, ao olhar para o corredor que conduzia à sala principal, viu que ela estava envolta por um clarão de um azul pálido que variava de intensidade a pequenos intervalos de tempo, assim como era possível ouvir vozes incompreensíveis, quase a sussurrar. Isso só podia significar uma coisa: a televisão estava ligada.
Como recurso improvisado de defesa, agarrou uma das cadeiras do cômodo à frente do seu quarto, e devagar, prendendo a respiração, na ponta dos pés e se escorando na parede, caminhou em direção à sala principal. Sentiu o sangue gelar nas veias, e uma vez mais, um grande vazio à boca do estomago. O ruído das molas da poltrona da sala era um indício claro de que, naquele recinto, alguém ali sentado, assistia TV.
E à medida que se aproximava da sala, mais pesadas ficavam suas pernas. Atribuiu a sensação ao tamanho da sua ansiedade, afinal de contas, não sabia o que iria encontrar mais adiante. No entanto, apesar do receio, estranhamente não sentia vontade de recuar; na verdade, mais parecia que estava sendo atraído naquela direção. Quase no limiar da entrada da sala, resolveu parar um pouco para examinar seu estado de espírito.
O rangido das dobradiças de uma porta sendo aberta e logo após uma batida indicando que fora fechada, o fez imaginar que o misterioso visitante percebera sua presença e fugira do local pela porta da frente. Pulou para dentro da sala, e de fato, ali não encontrou ninguém. Viu que a televisão estava ligada, assim como um pequeno prato de petiscos e uma xícara de chá sobre a mesinha ao lado da poltrona. Correu para acender a luz do recinto, mas o interruptor não obedeceu.
Abriu a porta da frente e viu que ainda era noite, e foi neste momento que começou a chover forte lá fora. Seguiu-se um demorado raio, e ao som do primeiro trovão, acordou bruscamente com a nítida sensação de que alguém o chamara pelo nome...
Então, abriu os olhos e permaneceu deitado na mesma posição, imóvel, olhando fixamente em direção à porta do quarto que estava aberta, com a clara sensação de que por ali, a qualquer momento, iria entrar uma pessoa, cujos passos apressados ele podia escutar a percorrer o pequeno vão que ligava a sala principal da casa ao pequeno cômodo iluminado que usava como escritório à frente do dormitório.
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Alberto Grimm - albertogrimm@gmail.com
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Holística e Consciencial. Os Contos Reflexivos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
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