Autora: Anne Marie Lucille[1]
Conteúdo Atualizado: 14 de Julho de 2024
Nossas inseguranças, fraquezas, medos, conflitos e angústias pessoais são crias diretas do nosso estado de desconhecimento, daquilo que, como indivíduos, psicologicamente somos. Não se trata do que aparentamos ser, e sim aquilo que, de fato, somos. E por desconhecer nossa verdadeira natureza, como autênticos zumbis anímicos, simplesmente nos deixamos levar pelas circunstâncias, tradição, cultura familiar, hábitos e impressões do meio onde fomos criados ou atualmente vivemos.
Conhecer psicologicamente a si mesmo implicaria na eliminação da maioria dos nossos conflitos pessoais. Afinal de contas, eles existem exatamente porque desconhecemos qual o nosso papel e função existencial, assim como o que deve ser feito, porque temos que fazer, quando vamos fazer, porque não o fazemos e porque não começamos imediatamente.
A maioria dos fantasmas mentais, dramas psicológicos, entidades assediadoras virtuais que teimam em transformar nossos dias em verdadeiras cruzadas expiatórias dentro do campo de batalha das contradições sociais humanas, também não mais seriam acolhidos em nossas casas.
O natural em nossa jornada diária seria a estabilidade psicológica, um status sem oscilações emocionais negativas, e salvo as perturbações dos imprevisíveis problemas físicos ou transtornos involuntários do meio social, uma sensação de bem estar e alegria motivacional deveria nos acompanhar desde o acordar até o recolhimento ao fim do dia.
Por que no dia a dia do homem comum, grupo do qual fazemos parte, isso não ocorre, eis o gargalo e a questão na qual precisamos trabalhar. Investigar as causas de todos os nossos conflitos, hábitos patológicos e dependências, eis a pauta que requer nossa integral e imediata atenção.
As memórias, nossa experiência teórica e prática, todo acervo de lembranças da vida presente, é a base dos nossos pensamentos e do padrão que define nossa personalidade e postura social em atividade.
Somos nossas experiências e vivências, todo nosso aprendizado, aquilo que assimilamos e acumulamos desde a infância até os dias atuais. Nossas contradições, Medos, crenças, empatias, inveja, cobiça, angústias e nossa postura diante da vida. Enfim, todas as nuances e regimentos de nossa personalidade, está tudo lá, como inquilinos, dentro desse imenso repositório que são as nossas memórias.
E nosso maior problema está na multiplicidade de personalidades, ou personagens, que adotamos ao longo da vida. Somos muitos fragmentos de muitas outras personalidades, e nenhuma delas ao mesmo tempo. Alternamos inúmeros papeis ao longo dos estágios etários de nossa existência. E também no decorrer de um só dia, a depender da demanda, incorporamos muitos personagens, sem, entretanto, nos fixarmos de maneira definitiva em nenhum deles. Enfim, somos muitos personagens e nenhum deles ao mesmo tempo.
E em meio a tudo isso há a entidade que diz: “Preciso conhecer a mim mesmo...” Seria ela uma espécie de observador virtual vivendo fora do indivíduo? Caso fosse, qual poderia ser sua origem, já que teoricamente cada indivíduo, no papel de uma personalidade, é único? Diante do espelho, há quantos personagens à nossa frente? Sendo assim, quem é o sujeito que diz que precisa conhecer a si mesmo?
O Ego humano, ao conversar consigo mesmo, uma vez que ele faz isso com frequência, se coloca como um observador de si mesmo, posicionando-se como se tivesse uma existência paralela, fora do seu hospedeiro. Compreender que não existe uma entidade separada deste “eu” já seria um bom começo.
No entanto, ao final desta busca, o que mais importa é conhecermos, senão a todos, pelo menos os traços de nossa personalidade que julgamos mais marcantes, sejam eles negativos ou positivos. Nesta Autoavaliação, não poderá haver espaço para as autocondenações ou autoexaltações, muito menos para as concessões. Uma autoanálise sempre vai exigir uma mente flexível, livre, e extremamente tolerante consigo mesma. Tolerante, mas não indolente, indiferente ou passiva.
E para aprender sobre tudo isso precisamos de uma mente imparcial, dinâmica, não alienada, minimamente contaminada por crenças, vícios, paradigmas doutrinários, ideologias políticas, ativismos sociais e superstições. Enfim, uma mente emancipada dos idealismos que ocupam nosso universo de tradições, e que ainda condicionam e controlam nossas aspirações e objetivos de vida.
Mas, Por onde começar? Em primeiro lugar, Duvidando de tudo. E para que isso seja possível, os dogmas e rituais, o legado até então intocável das tradições religiosas ou doutrinárias, assim como os medos e certezas, tudo isso precisa ser colocado na pauta de nossas dúvidas. É preciso separar o inútil do útil. Sem um senso crítico imparcial não teremos chance alguma de nos conhecer, tampouco de mudar. Mudança é a palavra chave. Descartar os entulhos psicológicos, reciclando tudo aquilo que pode ser aproveitado, potencializando tudo que já é útil.
Podemos começar fazendo um inventário dos nossos pontos fracos e fortes. Isso requer a pré-identificação dos traços relevantes de nossa personalidade, sem levar em conta a qualidade do status de nenhum um deles, ou ainda se possuem natureza negativa ou positiva. De posse deste material, vamos ter em mãos os recursos básicos necessários para empreendermos a viagem primária do autoconhecimento.
Será que somos capazes de perceber e aceitar, sem ressalvas, quais são os nossos defeitos ocultos e aparentes, sem subterfúgios, desculpas, retóricas ou maquiagens? Tudo isso precisa ser observado de modo acrítico, objetivo, prático, sem atenuações ou desculpas; sem acrescentar ou excluir nenhum aspecto dos fatos, sejam ou não desagradáveis. Devemos começar por aí. E caso venhamos a ter êxito neste primeiro passo, podemos avançar e investigar as falhas não evidentes. Mas, vamos com calma, neste caso, a pressa é nossa maior inimiga.
Em contrapartida devemos estudar, investigar e conhecer quais são os nossos traços fortes ou virtudes. Estas são as qualidades ou atributos de nossa personalidade que farão a diferença. São os traços produtivos; os aspectos profícuos, positivos, notáveis; tudo aquilo que merece ser atualizado, reciclado, redimensionado, requalificado ou amplificado. As virtudes e qualidades são os aportes que nos ajudarão a superar nossos defeitos, contradições e desvios de personalidade.
Por isso a observação do nosso modo de agir rotineiramente, a exemplo da nossa relação com os medos, aspirações e pessoas, torna-se fundamental. Mas não será uma tarefa fácil. Trata-se de uma luta contra nosso próprio Ego, que irá relutar em aceitar de imediato seus pontos fracos ou falhas. E também negará os vícios, manias, autocorrupções, assim como os traços desabonadores do caráter, itens que fazem parte do seu imenso repertório de hábitos patológicos, um acervo do qual ele, definitivamente, não tem a menor intenção de abrir mão, ou descartar.
Paradoxalmente, enquanto nega ou tenta justificar suas falhas e fraquezas pessoais, o Ego logo se encarregará de exaltar ou extrapolar suas supostas virtudes ou qualidades. Usará destes argumentos para mascarar seu verdadeiro caráter contraditório, intolerante, insensível e conflituoso. Por isso mesmo, nessa hora, todo cuidado é pouco.
E nossa maior dificuldade será a luta contra nós mesmos. Daí a necessidade de uma mente inocente, flexível e imparcial, centrada no princípio da dúvida, alheia aos pragmatismos, crenças e contraditórios costumes seculares, e disposta a promover em si mesma uma reforma consciencial.
Só uma mente com esta qualidade poderá olhar para si mesma de maneira não fragmentária, não se focando apenas no detalhe. Deixar de lado o detalhe significa dar-se conta do conjunto. Afinal de contas, é o conjunto que nos interessa, e não apenas uma pequena, acanhada e insignificante porção que nele está contida.