Autores: Jon Talber e Ester Cartago[1]
Atualizado: 30 de Maio de 2022
Uma criança não nasce com medo, especialmente sob a jurisdição das causas desse medo, ou do combustível que suscita, provoca ou evoca a manifestação desse desagradável estado anímico.
Uma das formas de indução ao medo, como, por exemplo, o medo do escuro, tem como origem vários mitos criados e reciclados pelos adultos, onde situações tiradas de suas crenças pessoais ou religiosas conceituaram a escuridão como um sinônimo de coisa ruim.
É como no exemplo da mãe cuja intenção é domesticar o filho desobediente à força. Assim, usando como ilustração a falta de visibilidade que existe na escuridão, o induz a crer que a qualquer momento, de dentro das trevas, surgirá um Bicho Papão para pegá-lo, caso insista no ato de desobediência. A partir desse ponto, a simples menção do escuro, já condiciona aquela criança a ter medo, não do escuro, mas das coisas que poderão surgir do seu interior com o firme e exclusivo propósito de fazer-lhe mal.
Podemos imaginar a Mente de uma Criança como uma folha de papel em branco, onde podemos escrever qualquer coisa. Quando analisamos os traços já fixados do seu comportamento, muitas vezes contrários ao seu temperamento inato, podemos constatar a forte influência das tradições e cultura da mesologia onde vive, e como tudo isso interfere de maneira dramática em sua conduta atual e adulta.
Comportamentos, manias, vícios e outros aspectos, já foram incorporados ao cotidiano dos adultos e aperfeiçoados ao longo de incontáveis gerações. E tudo que resta agora a criança é absorver todo este acervo, sem direito algum à escolha. Podemos escolher por onde caminhar depois de crescidos, mas, mesmo como adultos ainda não somos capazes de anular voluntariamente nosso dom natural de ouvir, enxergar, sentir cheiro ou paladar.
Equivocamente os adultos julgam a criança a partir de si mesmo. Não são capazes de compreender que o estado emocional de uma criança ainda está em fase de desenvolvimento, precisa de experiências e memórias para amadurecer. No entanto, a criança já sabe imitar, e isso ela não aprende com ninguém. Trata-se de um atributo ingênito, que faz parte do seu instinto animal primário. Por isso mesmo poderá tornar-se uma exímia imitadora e será capaz de copiar dos adultos a maioria das suas manias, sejam elas inúteis ou úteis.
Todo nosso acervo de medos é parte integrante e inseparável deste pacote. O medo é um estado emocional totalmente dependente de alguma causa conhecida para se manifestar, razão pela qual, não existe o medo sem motivo.
E até mesmo o chamado medo do desconhecido, para nós, tem forma. Ele evoca um sentimento de solidão absoluta, a falta de rumo e de perspectiva; um evento sem referências em nosso banco de memórias. Neste caso, trata-se de um medo puramente psicológico, totalmente criado e consolidado por nossa imaginação.
Uma criança aprende a ter medo do medo. Evitar algo que sabidamente seja capaz de nos causar danos físicos é prudência e uma estratégia de sobrevivência. É o medo natural, saudável, o único cuja existência é justificável. Usar a imaginação para criar situações que não representam ameaças concretas diante de nós, este é o medo psicológico. Trata-se de uma deformação na lógica do pensamento. É o medo virtual, patológico, inexistente. E como as prováveis causas do medo representam o próprio medo, logo, a criança passará a ter medo de confrontar seus medos.
A base desse medo psicológico faz parte do nosso aprendizado informal, e tudo isso é plantado em nosso inconsciente quando nossos pais tentam nos disciplinar à força. É aquela ameaça de punição quando relutamos em dormir cedo, a escovar os dentes, a não ajudar nas tarefas domésticas. O medo se manifesta também quando somos comparados, ou quando se exige de nós um desempenho acima do nosso potencial.
Dessa base inicial, todas as causas dos nossos medos são coletadas e catalogadas. E da mesma maneira que aprendemos a gostar de ganhar presentes ou elogios, também passamos a temer o demérito ou castigo. Surgem assim os primeiros indícios de insegurança em nossos atos, e nossa criatividade é substituída pelo desejo de imitar. Imitar, além de mais cômodo, é mais seguro. Basta seguir os protocolos e direções já traçadas; basta que nunca nos desviemos das normas já estabelecidas. Assim, a conformação, seja ela má ou boa, torna-se mais importante que a liberdade para criar ou o desejo de se opor aos absurdos.
O conflito interior é inevitável. E por toda vida, a presença deste implacável observador que insiste em exigir de nós conformismo, adequação, obediência e perfeição, se tornará uma obsessão. Neste cenário, onde o ato de repetir as velhas fórmulas e padrões é mais seguro e conveniente, tornar-se inteligente e questionador é quase uma heresia; na verdade, uma ocorrência raríssima.
Assim, explicar desde cedo aos nossos filhos, por meio do esclarecimento lúcido e do insubstituível exemplarismo, como nós adultos criamos a maioria das causas dos seus medos com a intenção de domesticá-los à força, é de vital importância. Trata-se de um gesto de coragem, honestidade e ética. Afinal de contas, existem muitas outras formas de se disciplinar e colocar ordem na desordem dos nossos filhos, sejam eles crianças ou jovens, e tudo isso sem a necessidade da indecente prática do psicoterrorismo.