Autores: Anne Marie Lucille e Jon Talber[1]
Conteúdo Atualizado: 14 de Julho de 2024
Muitos educadores e homens preocupados em aplicar as centenas de teorias pedagógicas existentes para mecanizar seus alunos, acreditam que o ato de ensinar cada ser humano a ler e a escrever, talvez torná-los cultos, por reflexo, também irá capacitá-los a resolver todos os problemas deste mundo, especialmente aqueles de ordem existencial. Esquecem, no entanto, que erudição não é sinônimo de Inteligência, muito menos de Lucidez Consciencial ou Sensatez.
Afinal de contas, por trás de cada grupo que defende o caos, a anarquia urbana, as tramas corruptoras da sociedade, ou mesmo a criação de uma mente social que esteja inclinada a seguir suas Ideologias Patológicas ou a cultuar doutrinas belicistas, o que existe senão uma autoridade especializada no conhecimento humano; um erudito, intelectual acadêmico dotado de superior e vasto saber, embora sem uma gota de sensatez ou sabedoria?
E nos tempos de suposta paz, onde governos democráticos, totalitários ou extremistas, cujo lema é a condução do seu povo para onde apontam seus interesses pessoais, estes também não são dotados de um singular perfil erudito? E os cientistas sem ética, movidos pela ganância do acumular cada vez mais méritos, reconhecimento público, dinheiro e poder, e que se especializaram em criar distorções sociais e as mais letais armas de destruição em massa, também estes, não são dotados do mais elevado e qualificado saber e conhecimento acadêmico?
E o que dizer das autoridades disseminadoras das ideologias patológicas que assolam a humanidade, ou os sábios, homens que se autodenominam santos, gurus e ministros religiosos, cujos ideais sagazes são simples argumentos para alimentar seus Egos sedentos de idolatria e poder?
E as autoridades que limitam o modo de pensar de cada homem, determinando seus desejos e aspirações; conduzindo-os como a uma manada de animais amestrados do pasto ao matadouro, também estas, não são hospedeiras de um diferenciado e qualificado repertório erudito?
Podemos ser bastante cultos, catedráticos, intelectuais do mais elevado nível, ou ainda hospedeiros de todo vasto saber humano, entretanto, quando nos curvamos diante dos caprichos de uma autoridade, indivíduo, grupo, corrente étnica, ideológica ou religiosa, também não estamos negando nossa própria liberdade de expressão, identidade e destino?
Se não somos capazes de pensar por conta própria, por reflexo, não temos capacidade de auto-organização, autodisciplina, autogestão e autocondução. Haverá diferença entre nós e um animal amestrado ou um mecanismo cibernético que foi programado para cumprir as demandas de uma linha de produção mecanizada? Onde está nossa inteligência e lucidez se nos falta autonomia para fazer nossas escolhas, dirigir e organizar nosso próprio destino?
Se não estamos qualificados ou capacitados para pensar com liberdade e clareza, por que devemos achar que existe em nós algum vestígio de Inteligência? Podemos considerar inteligente um sujeito incapaz de conduzir seu próprio destino ou de relacionar-se com seu mundo de maneira equilibrada e não conflituosa?
Quando nos deixamos conduzir para um destino incerto sem nada questionar, sem direito à liberdade de escolha, enclausurados atrás das grades de um curral ideológico, sectário ou cultural, não há diferença alguma entre nós e o inocente animal irracional de uma manada a caminho de um curral de engorda, cujo destino final será o matadouro.
Uma mente que foi reduzida ao escopo de uma tradição, ideologia, doutrina sectária, tribo política ou étnica, é uma mente fossilizada, calcificada. Uma mente livre é único e inegociável, e mais importante, quesito da Inteligência. Sem este pré-requisito a Inteligência simplesmente não existe. Lembre-se, potencial para memorizar e repetir protocolos, coreografias e pantomimas sociais, preceitos ou prescrições da tradição, nada disso é indício de Inteligência. Uma máquina analógica dotada de um cérebro eletrônico já faz isso, mesmo sendo incapaz de esboçar qualquer tipo de sentimento ou de tomar uma decisão por conta própria.
Ao iniciarmos uma jornada em direção a um destino, qualquer que seja, podemos nos dirigir a este ponto sem saber o motivo, sem ter conhecimento do que iremos encontrar no final, ignorando nossos limites, e ainda assim considerar isso um ato de Sensatez ou Inteligência? Afinal de contas o que é, para nós, este atributo ou qualidade que chamamos de Inteligência?
Observe um autômato movido à corda, como se presta a repetir para sempre o mesmo gesto ao comando de um botão. Há então diferença entre eles e alguém que simplesmente, sem questionar, divergir ou decidir a partir de juízos pessoais, cegamente abraça uma ideologia e as deliberações egocentradas de uma autoridade que o condiciona a repetir suas resoluções, desejos e demandas, a exemplo de um passivo animal treinado para se exibir em um picadeiro?
Há uma mecanicidade óbvia em nossos gestos e hábitos. Basta observar como tentamos repetir a conduta, preferências e manias dos nossos pais, amigos, ídolos, gurus, gente da moda, e como em pouco tempo, em nós, estes caracteres tendem a se transformar em hábitos.
Uma voz de comando, de tanto repetir uma sugestão, acaba por desmontar até mesmo os mais sólidos traços idiossincrásicos do nosso temperamento original. É assim que uma criança de natureza pacata é capaz de se tornar um temível soldado disposto a matar um inimigo imaginário, e fará isso apenas para cumprir as insanas ordens do seu comandante, mesmo sem saber os motivos, mesmo que não existam estes motivos.
Neste processo mecânico e irrefletido, onde velhos hábitos são imitados e ajustados às nossas predisposições inatas, não existe um pensador, pois nada de novo é criado ou modificado, e apenas o velho é copiado e colado. Chamamos de inteligência a capacidade congênita que todos possuem de imitar, quando o mais lógico e sensato seria considerarmos inteligente exatamente aquele que se recusa a imitar e a seguir caminhos conhecidos que não conduzem a lugar algum; ou ainda aquele que age de maneira independente, que está disposto a divergir ou questionar, ao invés de agir cegamente motivado puramente por um sentimento de comoção pré-fabricada criado para induzir incautos.
No entanto, o simples ato de questionar pode significar o isolamento do indivíduo, uma vez que ao repudiar a imitação ou a servidão cega haverá uma ruptura entre ele e o padrão sistemático que a maioria adotou como guia para suas vidas. Por isso, bem poucos terão coragem e disposição para carregar o fardo de tomar uma decisão deste nível.
Nasce a inteligência quando há a liberdade para o questionamento. Pode ser uma questão simples, como, por exemplo: “Por que devemos escovar os dentes três vezes ao dia?” Ao sentir-se livre para questionar, também o indivíduo está livre para ser criativo, deixando a obrigatoriedade da imitação de lado. Imitar não é uma ação criativa, chama-se a isso de mediocridade, estupidez, plágio ou pensamento de segunda mão. Entretanto, é dentro dessa mentalidade onde estão confinados todos os sistemas pedagógicos formais e informais do mundo civilizado.
Agora observe as incontáveis gerações às nossas costas, com seus ritos e guias, uma corrente civilizatória que mais se assemelha a cegos conduzidos por cegos. E há também os sábios proféticos com suas inumeráveis crenças, sistemas doutrinários e catequeses; e as tribos ideológicas, étnicas, políticas, sectárias, pedagógicas, cada uma com seus métodos e sistemas “perfeitos”, e, no entanto, ainda nos encontramos em meio ao caos social, na dependência de um milagre que supostamente virá de fora para remodelar o homem conflituoso por dentro.
Não seria mais sensato questionarmos: “Por que continuamos a acreditar que a resposta para nossas frustrações e dilemas deveria estar nas mãos destes “Criadores Sociais de Soluções”, quando sabemos de antemão, que são exatamente eles os autores de toda a confusão do mundo?”
E depois de tanto tempo, diante dos conflitos que se alastram tornando-se cada vez mais complexos, onde as soluções apresentadas criam ainda mais problemas, tudo isso não seria uma incontestável evidência de que a crença do milagre vindo de fora para restaurar nossos gargalos existenciais por dentro pode ser apenas um extraordinário e milenar equívoco, ou, quem sabe, uma capciosa e magistral mentira intencionalmente construída?