Autor: Alberto Filho[1]
Atualizado: 19 de Maio de 2022
Neste artigo o autor faz uma análise detalhada e qualificada que discute os mais relevantes benefícios cognitivos obtidos a partir da prática regular do tradicional Jogo de Xadrez.
"Ver com clareza não significa apenas ter bons olhos, mas ter olhos que queiram enxergar..."
É como se olhássemos o mundo por uma fresta, e a parte visível representasse tudo que existe. Se emocionalmente, diante de cada situação reagimos de uma maneira peculiar, assim como nós, todos os demais têm seu próprio modo de reagir às mesmas situações. Pode-se constatar isso facilmente por meio da observação das nossas preferências, particularidades, medos, e assim por diante.
Um dos grandes desafios dos pais e educadores deveria ser a formação de alunos dentro de uma filosofia integral. Por Integral entendemos enxergar o movimento da vida como uma coisa só, em permanente transformação, nunca estática, sempre dinâmica, e não encarcerada pela fragmentação como é a visão especialista. A vida como um todo retrata todas as faces do indivíduo, suas crenças, medos, conflitos, incertezas, angústias, e todo sofrimento ao qual está sujeito, sem, contudo, desprezar sua biologia. No entanto, suas nuances psicológicas vão requerer uma atenção especial.
Não é possível compreender o ser humano integral examinando apenas um traço de sua personalidade, a exemplo de uma postura social, condição étnica, ou mesmo a partir de uma preferência ideológica. Ele é tudo isso e muito mais; mais do que podemos perceber com nossos sentidos ordinários ou nossa mente condicionada, amordaçada pela especialização ou agrilhoada por inúmeras crenças, opiniões e superstições pessoais.
Entender que a vida é dinâmica e está sempre em transformação, um mundo onde as alternativas ou opções mudam de posição num ritmo impossível de ser contido, a exemplo do próprio ir e vir do viver, capacita o jovem a ter uma mente mais flexível, com disposição para se renovar sempre. Isto o permitirá acompanhar com mais realismo este incrível movimento impossível de ser contido que é o viver.
Uma mente flexível sabe que as alternativas são opções válidas, e nunca se contenta com respostas prontas. É por natureza curiosa, está sempre aberta ao que é novo. O raciocínio lógico, de algum modo, capacita o jovem a pensar logo em alternativas como possíveis respostas para seus problemas. Esta visão o impede de tomar decisões precipitadas em sua vida adulta, pois saberá que para todo problema sempre haverá uma solução, e muitas alternativas para se chegar até ela. Uma mente com este perfil estará mais capacitada para lidar com a dinâmica da vida.
Um dos maiores dilemas do ser humano é sentir-se encurralado diante de uma situação qualquer. Nesse momento, sua mente não é capaz de raciocinar de uma maneira lógica, coesa, racional, e os pensamentos se tornam fixos, recorrentes; ficarão gravitando em torno de um mesmo ponto ou ideia, enfatizando as implicações do problema, como se estivesse presa numa espécie de vácuo mental.
Neste caso, desaparecem as respostas prontas, e como que por encanto não conseguirá vislumbrar alternativas. Uma espécie de engasgo temporário, ou vácuo pensênico, do qual aquela mente não consegue se libertar é o indesejável e inevitável efeito esperado. Isso acontece na maioria das vezes devido ao condicionamento rígido que valoriza a visão fragmentária das coisas, de maneira inflexível, presa à especialização.
Essa visão parcial limita nosso pensar e ações diante de questões simples ou complexas. O indivíduo que se especializa numa determinada área do conhecimento, decerto terá uma visão bastante restrita de tudo que não diga respeito aos seus domínios. E embora isso seja um fato óbvio, nunca é tratado como a causa da maioria das angústias e conflitos humanos.
Desse modo, o protagonista sentir-se-á naturalmente inseguro diante de qualquer situação fora do escopo da sua especialidade. Será por natureza conservador e sempre dependente de outros para guiar seus passos fora daquele mundo conhecido. Um indivíduo inflexível, que dificilmente conseguirá ser feliz diante de uma vida que está sempre em movimento, sempre a se diversificar, em constante processo de reciclagem.
Diante de cada problema, possibilidades múltiplas precisam ser consideradas. Esta bem que poderia ser a primeira orientação que deveríamos passar para nossos filhos e alunos.
Analisar cada questão sob o escopo da visão alternativa ou ampla nos dá a possibilidade de explorar lacunas de um problema que sempre foram ignoradas. Seguir sem questionar é fácil, é o que a maioria faz. Mas um indivíduo só se torna questionador quando sabe que para cada questão sempre há uma ou várias soluções e inúmeras perspectivas ou rotas possíveis de conduzir aos respectivos desfechos.
Uma visão mais ampla, quer dizer alguém capaz de enxergar, não apenas o adversário – o problema – que está diante de si, mas também todo ambiente à sua volta, assim como todos os demais protagonistas que façam parte da cenografia. Vislumbrar, enfim, o maior número de detalhes do cenário onde se desenvolve a trama e seus possíveis desdobramentos. Esta perspectiva faculta um número maior de respostas ou perspectivas possíveis de serem exploradas.
Uma visão panorâmica da situação, onde também se inclui o adversário ou problema, permite que se faça uma melhor leitura da questão, ampliando o espectro de suas causas e efeitos, assim como as opções mais perfiladas com a possível solução. Com isso, pode-se até concluir que aquilo nem era um problema. Uma visão limitada e restrita de uma questão pode nos colocar diante de uma situação com cara de problema, sem que, de fato, muitas vezes nem o seja.
Um jogador de Xadrez tem diante de si problemas, situações que inicialmente se apresentam como de difícil solução. Mas, eis que ao erguer seus olhos, ele é capaz de ter uma visão panorâmica do problema. Ao ver o campo de ação por inteiro, ele poderá apreciar melhor o desafio que tem diante de si, todas as variáveis e os caminhos que poderá tomar. E ali, como observador atento, terá uma visão panorâmica da situação, sendo capaz de avaliar, minimizar ou eliminar os possíveis efeitos colaterais de suas decisões, e ao mesmo tempo, tomar conhecimento de todos os recursos dos quais dispõe para tentar solucionar a questão.
Para se aprender da maneira adequada, a atenção disciplinada e organizada é sem dúvida a qualidade mais importante. O jogo de Xadrez se propõe a despertar em primeiro lugar, entre seus praticantes, este essencial estado de vigília. Isso tornará o jogador um observador mais qualificado, mais atencioso com os detalhes, mais criterioso e lúcido, sagaz, confiante e capaz em suas decisões.
Sua visão se renova. Seu modo de pensar se amplia, e terá a seu favor dois fatores mais que importantes na solução de qualquer questão da vida: Um deles é a lógica que o ensinará a sistematizar e organizar um dilema antes de tentar resolvê-lo; o outro é a versatilidade ou flexibilidade, atributos de uma mente aberta e ágil que está sempre disposta a experimentar as novas possibilidades ou alternativas, além daquelas já existentes, para solucionar uma mesma questão.
Orientado para, a partir de um todo, ter competência para vislumbrar a parte que está fora dos eixos, o jovem praticante de Xadrez também desenvolve a capacidade de antecipar situações possíveis de criar novos problemas. Assim se torna mais apto, não apenas a evitar futuros obstáculos e até mesmo impedir que ganhem forma, como também a solucioná-los caso venham a se manifestar.
Uma mente vigorosa, ativa, cheia de músculos sinápticos bem desenvolvidos e dotados de cadeias lógicas bem estruturadas, eis o benefício imediato de quem mentalmente articula muitos caminhos e possibilidades para se chegar a um objetivo. É semelhante ao autor de ficção que ao criar uma trama onde, por exemplo, o personagem principal, ao caminhar por uma estrada cheia de obstáculos, tivesse que tratar cada um de uma maneira sempre nova, o que não seria possível a partir de uma mente inflexível e limitada pela especialização.
Nesta prática, devemos ainda enfatizar que o jogo de Xadrez, apesar de ser uma competição, não precisa tornar-se uma disputa. A atividade serve de instrução para os dois jogadores, e nesse contexto, não existe aquele que perde e outro que ganha, mas apenas dois aprendizes que estão se qualificando na arte de tomar decisões, sejam simples ou complexas.