Autor: Alberto Grimm[1]
Publicado: 15 de Agosto de 2024
Aquele era um problema muito sério. Talvez fosse o maior já enfrentado por aquele grupo de cientistas, uma vez que, aparentemente, não havia solução à vista...
A ideia era maravilhosa, espetacular, talvez a mais criativa que já saíra de suas cabeças, um premiado e seleto grupo de pensadores, doutores em produzir bens de consumo, inservíveis e servíveis, para as massas. Entretanto, diante daquele dramático impasse, toda aparente confiança e invejável criatividade daqueles que eram conhecidos carinhosamente como os “Magos das Ideias”, agora parecia cair por terra.
“Isso não pode ser verdade”, lamentava-se o diretor de criação. “Como podemos vender a nossa melhor e mais espetacular criação diante de tão extraordinário impedimento, que agora, como um fantasma opositor, entra em nossa sala sem ser convidado? É como se, de repente, tivéssemos disponível todo dinheiro do mundo, e nada nos restasse para comprar...”
E quem era capaz de dizer alguma coisa? O que poderia, enfim, ser dito numa hora daquelas? E apenas das lembranças dos felizes dias, das lucrativas e bem sucedidas campanhas de marketing do passado, poderiam agora se orgulhar.
“Vocês têm certeza disso? Olharam em todos os lugares, pesquisaram, fuçaram, exploraram todas as possibilidades; escavaram tudo mesmo?", perguntou pela décima vez dentro do mesmo minuto o coordenador de lançamentos de novos produtos, como se as respostas anteriores não significassem aquilo que diziam.
Na verdade, o grupo já tivera um problema semelhante no passado, lembravam bem. Naquela ocasião, depois de esgotarem-se todas as possibilidades imagináveis de incrementos com a intenção de atualizar um novo velho produto, descobriram estupefatos que nada mais era possível acrescentar à nova versão, quer dizer, ao novo velho modelo que pretendiam lançar.
E o motivo era que todas as possiblidades já haviam sido exploradas, agregadas ou simplesmente maquiadas, e o último lançamento, aquele que ora precisava ser substituído ou atualizado conforme diriam as campanhas publicitárias, já vinha com tantas funções incorporadas que nem mesmo os manuais eram capazes de cobrir a todas. Algumas para nada serviam, outras jamais foram testadas. Mas, apesar de tudo isso, como combustível para ajudar nas campanhas e incentivar as vendas, a estratégia, até aquele momento, sempre funcionara com extraordinária precisão.
E o problema fora resolvido com uma abordagem singular: transformaram o novo produto em dois. Um modelo de Luxo ou Titanium, e outro que chamaram de Platinum. Na verdade, os aparelhos eram exatamente iguais, exceto pelas cores e disposição dos botões ou funções, que apesar realizarem exatamente as mesmas tarefas, agora estavam posicionados em locais diferentes do console.
Desse modo, cada um dos modelos, na verdade também idênticos à versão anterior, agora poderiam ser lançados como “novos”. Isso lhes daria uma sobrevida entre três e cinco meses, tempo suficiente para pensarem noutra coisa, talvez, quem sabe, transformar os dois modelos em quatro. Mas, este era um caso a ser pensado no futuro.
No entanto, agora, o problema era mais sério; uma calamidade. Naquele mercado saturado de produtos e marcas capazes de atender a quase todas as necessidades humanas, onde um novo lançamento ocorria a cada segundo, onde cada novo artefato produzido obrigatoriamente precisava receber um nome registrado, o que era um modo lógico e racional capaz de orientar o consumidor, especialmente ao procurar o dito cujo num balcão de uma loja ou em qualquer outro lugar, uma coisa que já se tornara escassa, naquele momento, parecia não mais existir.
Um Nome. Sim, esta coisa era um nome. Uma simples identidade para que o produto pudesse de fato existir e então frequentar as prateleiras de uma loja possibilitando que compradores e vendedores o identificassem; permitindo que as campanhas publicitárias o promovessem para o consumo das massas. Como divulgar uma coisa sem nome? Como criar na mente do consumidor uma tendência, comportamento, desejo, obsessão ou alienação por algo que não podia ser chamado de nada, simplesmente porque não tinha nenhum nome?
Como se faz para se chamar uma criança que você não conhece, em meio a dezenas de outras crianças, sem que haja um nome a ela associado? Seria a mesma coisa que tentar identificar a cor de um objeto em meio ao escuro absoluto, ou ainda tentar comprar um produto que não existe usando o nome de outro.
Enfim, este era o dilema que ora se apresentava diante de todos. Como dar um nome a um objeto, mercadoria ou artefato, se naquele momento, não mais existiam nomes disponíveis para rotular coisa alguma?
Sim, era isso mesmo, para se registrar comercialmente um produto, marca ou ideia, não mais existiam nomes disponíveis. Ocorre que todas, absolutamente todas as combinações de vocábulos e letras, todo conjunto de letras com possibilidade rotular, dar um nome capaz de designar alguma coisa, já havia sido usado, registrado e patenteado.
Nenhuma palavra de dicionário ou livros estava mais disponível. Todas já tinham um dono, um produto a ela associada. Letras iguais, diferentes, conjuntos de consoantes ou vogais, letras com números ou símbolos gráficos, sons compreensíveis ou imnpossíveis de compreender. Enfim, tudo, tudo mesmo, já fora usado, e nada mais restara.
“Podemos usar desenhos para lhe dar um nome!”, falou alguém sem ter certeza do que dizia.
“Perfeita sua ideia, não fosse por um detalhe muito simples: Ocorre que, na hora de nos referirmos ao produto, ainda precisamos dar um nome a este desenho, e aí, nada feito. Ou seja, estamos de volta ao ponto zero...”, concluiu outro com as mãos à cabeça e de olhar fixo numa folha de papel em branco que estava sobre a mesa de reuniões, à espera de alguma solução brilhante.
Neste momento, mais alguém do grupo toma a frente, e conjectura em tom grave, reflexivo e irônico, como se estivesse brincando: “Mas, e se este produto... fosse o primeiro produto da história do homem, sem nome?”
“Como sem nome? Deixa ver se entendi direito. Você quer dizer, sem um nome comercial, identificação pessoal, ou mesmo um nome de batismo?”
E, reafirma o outro: “Isso mesmo; é exatamente isso o que ouviu; sem nome de batismo. Simplesmente, sem nome...”
Era, sem dúvida, a mais fantástica ideia jamais imaginada. Um produto sem nome, o primeiro e único jamais existente; e o mais importante, nenhum outro fabricante poderia reutilizar o mesmo ponto de vista, conceito, inovação, ideia ou abordagem.
Seria, acima de tudo, um Produto Conceitual; uma criativa proposta artística, uma inovação; uma verdadeira revolução em seu tempo. Sem dúvida, uma ideia compatível com o ousado e nada convencional apelo de marketing que pretendia ser o carro chefe do próprio aparelho. Já chegaria ao mercado de maneira triunfal, escandalosa, desafiadora. Nem precisaria ser uma coisa nova de fato, pois apenas o seu nome, ou a ausência deste, já o tornaria original, único e atraente diante dos compradores ávidos por novidades.
E assim, nascia o primeiro e único produto sem nome criado pelo homem ao longo de toda sua história; um avassalador sucesso, que logo se transformaria no mais prodigioso fenômeno de vendas de todos os tempos, e imagine só, estava apenas na versão 1.0.
[1]
Alberto Grimm - albertogrimm@gmail.com
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Iintegral. Os Contos Curiosos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
O autor não possui Website, Blog ou página pessoal em nenhuma Rede Social.
Confira outras publicações do autor em:
Mundo Simples - Contos Curiosos
[2]
Alberto Filho - albfilho@gmail.com
É orientador e Consultor em educação infantil e adulta, inclusive da terceira idade, com especialização em Educação Integral e Holística. É também tradutor, Ilustrador, escritor de contos infantis e adultos.
O autor não possui Website ou Blog pessoal.
Nota de Copyright ©
É Proibida a reprodução total ou parcial deste conteúdo para fins Pessoais ou Comerciais sem a autorização expressa do Autor ou Site.