Autor: Alberto Grimm[1]
Publicado: 15 de Agosto de 2024
Aquele brilhante cientista fizera uma descoberta capaz de mudar para sempre o destino do homem, redesenhando completamente o conceito de civilização como o conhecemos. Entretanto, para viabilizar a implantação daquele projeto, teria de enfrentar um problema que, definitivamente, não estava previsto em seus planos iniciais...
Depois de enriquecer como dono de uma fórmula mágica capaz de acabar de vez com a calvície humana, aquele cientista, que passou a enfrentar sérios problemas por não ter mais onde guardar tanto dinheiro, resolveu reunir a imprensa para tornar pública outra grande descoberta sua, esta, de benefício inegável para a humanidade. Tratar-se-ia de um generoso bônus que desejava compartilhar gratuitamente com todos.
“Senhores, acabo de descobrir o segredo da célula tronco de todos os vegetais existentes em nosso planeta. Isto significa simplesmente que podemos, a partir de agora, transformar qualquer espécie vegetal em outra. Por exemplo, agora será possível transformar um grão de arroz em milho; capim em árvores frutíferas; erva daninha em vegetal nobre, e até mesmo fungos vegetais em alimentos de grande valor nutritivo. Mas, não apenas isso. Agora será possível criar frutas, grãos e espécies vegetais, a partir dos resíduos dos próprios vegetais, tudo isso e muito mais. Usem então a vossa imaginação, e tentem sentir o poder desta descoberta! E tem mais, estamos finalizando uma fórmula que fará o mesmo com os minerais...”
As consequências daquela descoberta eram maiores do que suas palavras podiam expressar naquela breve conferência. Os alimentos agora poderiam ter sabores; qualquer sabor. Sabores mistos ou cores, aromas, assim como as vitaminas desejadas. Assim, agora era possível produzir feijões do tamanho de abóboras, dotadas naturalmente de complexos vitamínicos, minerais, e até remédios incorporados. Isso resolvia de vez a questão da fome e dos combustíveis biorrenováveis, uma vez que um gramado de tamanho médio, agora poderia ser transformado num imenso canavial, com canas de caules tão grossos quanto os troncos de robustos Baobás[2].
Segundo este princípio, até mesmo o lodo dos esgotos ou terrenos úmidos agora poderia ser convertido em imensas plantações de qualquer coisa, até mesmo em arrozais, com grãos do tamanho de melancias, vitaminados, imunes à todas as pragas. Teria resistência ao calor e frio, com potencial para germinar na seca, e o mais importante, sem os indesejáveis efeitos colaterais após sua ingestão, uma consequência natural entre as tradicionais variedades geneticamente modificadas, que ora eram largamente produzidas e comercializadas.
Entretanto, o fato mais relevante, era que ele estava disposto a abrir mão da patente, torná-la pública, genérica, para que todos pudessem se beneficiar daquele extraordinário e único processo. Mas, antes de disponibilizar sua descoberta, para testar a viabilidade de um projeto de tal magnitude deixado nas mãos dos cidadãos comuns e indústria privada, ele patrocinaria uma comunidade ou microcosmos, onde iria simular a aplicação da técnica, de modo que assim fosse possível aferir os resultados em micro escala, antes do processo em larga escala.
Seria uma espécie de projeto piloto. E dentre os integrantes, ter-se-ia representantes de todas as classes sociais, credos, preferências, manias, ideologias, segmentos econômicos; enfim, um microcosmo, capaz de representar todas as nuances sociais da humanidade. Se a coisa funcionasse ali, se não houvesse desentendimentos ou conflitos de interesses, é quase certo que poderia sem problemas servir de modelo viável para o resto do mundo, em qualquer parte.
E como todos queriam participar do projeto, logo, antes de mesmo de começar, uma grande confusão teria que ser resolvida. As instituições políticas, grupos religiosos, grupos étnicos, econômicos, ideológicos, grupos sem grupo, ativistas, contestadores e críticos, como sempre, queriam um lugar de destaque no empreendimento, ou seja, privilégios proporcionais ao tamanho do status que ora usufruíam dentro do meio social.
E também as organizações contrárias às mudanças transgênicas, logo reivindicaram seu espaço, argumentando que precisavam ver de perto os efeitos daquele experimento, até para certificar-se de que não se tratava de mais uma leva de alimentos geneticamente modificados, como afirmava o inventor. É claro que, se houvesse entendimento e um acordo entre aqueles segmentos sociais, ali teria espaço de sobra para acolher a todos.
O problema maior era então a reivindicação de privilégios, cotas diferenciadas, situações mais favoráveis para alguns, afinal de contas, argumentavam eles, hierarquia e Status Social eram critérios que deveriam ser considerados, e indiscutivelmente, respeitados. E assim, criaram-se novas leis para organizar a coisa; revogaram e anularam outras tantas. Reescreveram dezenas de outras que conflitavam com os novos interesses. E logo o projeto teve início, ao menos o processo de seleção dos candidatos.
Mas, não seria nada fácil organizar um grupo de tão complexa diversidade, especialmente quando ninguém estava disposto a abrir mão da vaidade de ostentar a posição social, hierárquica ou status do pedigree que os identificava dentro de suas respectivas mesologias, guetos ideológicos, classes políticas e econômicas, colegiados, organizações ou congregações sectárias, e tantas outras.
Desse modo, naquele momento, Conceder privilégios à altura do status pessoal de cada indivíduo ou grupo, parecia ser mais importante que a causa pela qual deveria ser criada aquela comunidade.
“Temos nossas posturas e posições, atributos pessoais conquistados ao longo do tempo, da tradição, do poder, ou seja, degraus que foram galgados ou herdados, e destes não podemos, nem queremos, abrir mão. Afinal de contas, com a lógica da superioridade social ou posição hierárquica, condições naturais que nos diferencia dos demais, não se brinca...”, era o pensamento predominante entre todos os protagonistas.
E nesse processo de vai e não vem, desde o anúncio do projeto, passaram-se então dezenas de anos. E ao fim das discussões reivindicatórias, quando tudo parecia resolvido, descobre-se que aquele cientista, único e exclusivo detentor da fórmula mágica, já não mais existia. E sendo excêntrico por natureza, conhecedor profundo da natureza do homem, não costumava documentar por escrito suas descobertas, processos alquímicos e matemáticos, e assim, tudo se perdera, para sempre.
Ao que alguém no meio da multidão, lamenta: “Observando bem, tudo leva a crer que a resolução de problemas não é uma coisa que socialmente se busca, mas, antes disso, há um evidente e deliberado interesse coletivo na perpetuação, multiplicação ou agigantamento destes mesmos problemas, de modo que nunca acabem, um gesto bizarro que lhes parece trazer mais benefícios que malefícios...”
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Alberto Grimm - albertogrimm@gmail.com
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Iintegral. Os Contos Curiosos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
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