Contos Curiosos para Ler sem Pressa
A Parábola do Problema que era Proibido Resolver

Imagem - metamorworks - Adobe Stock

"Quando uma corporação com fins lucrativos se empenha na Nobre Tarefa de resolver um problema humano, por regra, já faz parte do projeto encontrar uma solução cujo resultado seja capaz de transformar este mesmo problema em outros possíveis de aumentar seu lucro..."

Na tentativa de criar um alimento de natureza orgânica e ainda capaz de permanecer fresco durante um longo período nas prateleiras dos supermercados, aquele grupo composto por três cientistas, por absoluto acaso, fez uma descoberta extraordinária.

Ocorre que, com o aumento da oferta dos Alimentos Orgânicos, verificou-se que estes estavam mais contaminados com pesticidas químicos que aquelas variedades cultivadas ao modo tradicional; aquelas já velhas conhecidas da população por sua exagerada toxidade.

Isso acontecia porque, os agricultores, tanto os inescrupulosos por vocação quanto os indecentes por oportunismo, de olho gordo naquela fatia de mercado que crescia sem parar, onde aquela classe de produtos era ofertada até pelo dobro do preço das variedades comuns, resolveram também participar do negócio.

E como não existiam entidades, órgãos ou laboratórios especializados em classificar, regulamentar ou homologar os vegetais como Orgânicos Autênticos, bastava colar um selinho qualquer em cima do produto, vestir uma roupa rústica de modo a caracterizar o vendedor como agricultor artesanal, e estava feito. Resultado: Os consumidores eram enganados e o lucro dos embusteiros estava garantido, não importando a qualidade ou origem dos alimentos colocados à venda.

E logo a onda se espalhou, tomou conta de tudo. E não mais existiam, pelo menos na fachada, os alimentos tradicionais, quer dizer, aqueles de natureza Transgênica ou classificados como não Orgânicos. E nas gôndolas dos supermercados, assim como nas feiras livres especializadas, ou mesmo nas comuns, tudo era vendido como se fora Alimento Orgânico.

O caso se tornou um problema de saúde pública, uma vez que os consumidores, confiando na pureza das hortaliças, frutas e verduras, deixavam de lado o antigo hábito do processo de descontaminação ou higienização rigorosa. Afinal de contas, aquela sempre fora uma precaução existente no tempo em que tinham certeza de que não estavam levando para casa suas Variedades Orgânicas, produtos considerados limpos, que, em parte, dispensavam estes rigorosos e paranóicos cuidados.

Uma população doente e um grande prejuízo à nação foi o que restou ao fim do movimento dos falsos Orgânicos, ou Fake-News dos Alimentos, como aquele movimento ficou conhecido.

E para assegurar que aquela prática espúria seria banida para sempre daquela civilização, a comercialização de qualquer tipo de alimento rotulado como orgânico foi proibida, pelo menos até que aquele grupo de biólogos e botânicos, de uma notória entidade privada contratada pelo governo central, apresentasse uma solução definitiva para o problema.

Assim, durante a pesquisa, por uma extraordinária casualidade, fizeram uma descoberta surpreendente. Na tentativa de criar um composto natural capaz de aumentar a resistência dos vegetais contras pragas, mas sem alterar sua estrutura genética, acabaram por tropeçar naquilo que, para os alquimistas, poderia ser considerado como a descoberta da mitológica Pedra Filosofal[2].

Mas, naquele caso não se tratava de uma analogia, uma vez que a descoberta ilustrava de maneira singular, este conceito. E se no passado remoto os alquimistas e magos buscavam uma fórmula mágica capaz de transformar qualquer tipo de metal em ouro, naquele dia, dentro daquele centro de pesquisas, eles criaram o protótipo de uma poção natural que, além de não contaminar os alimentos ou modificar sua estrutura molecular, era capaz de erradicar, com apenas uma aplicação a cada novo plantio, todas as pragas vegetais conhecidas do planeta, durante pelo menos cem safras seguidas.

Beliscaram-se entre si na tentativa de descobrir se aquilo não passava de um sonho ou delírio alucinógeno coletivo, provocado por alguma substância química inalada involuntariamente em alguma etapa ao longo do processo. Mas a coisa não parava por aí, uma vez que exames complementares atestavam que, além de saudáveis, os alimentos se tornariam mais nutritivos, menos pesados para o organismo, especialmente durante o processo de metabolização e consequente absorção enzimática dos nutrientes.

Puderam então comprovar, que aquelas variedades vegetais eram alimentos amigos da flora intestinal, um remédio natural para todos os males, inclusive contra o envelhecimento das células, e o mais importante, possíveis de serem cultivados por dois ou três por cento do custo das produções tradicionais.

Vegetais resistentes às pragas ambientais, com 100 vezes mais nutrientes que as variedades existentes, capazes de sintetizar vitaminas e minerais essenciais mesmo em biomas degradados ou solos esgotados; capazes de regenerar células humanas doentes ou tornar mais jovens as antigas; uma verdadeira janela aberta para inúmeras possibilidades; um alento favorável para o futuro daquela civilização, que até aquele momento, não parecia tão promissor.

Euforia total entre eles. E enquanto aguardavam o arrefecimento do efeito inebriante daquele êxtase coletivo, tiveram a ideia de testar um pouco mais, isso para eliminar eventuais falhas e prováveis efeitos secundários indesejáveis, ainda não detectados.

Mas, não existiam falhas ou efeitos colaterais; estava mais do que comprovado o sucesso da fórmula, uma revolução para o bem da humanidade. E o próximo passo seria apresentar os resultados aos seus superiores, assim como aos respectivos patrocinadores daquele estudo.

No entanto, antes de demonstrar oficialmente o milagroso elixir resultante daquela alquimia, por questões de segurança ou prudência, com receio da concorrência ou de que pudesse cair em mãos erradas, decidiram não documentar por escrito nenhuma parte das combinações químicas daquele bem sucedido experimento.

Eis o motivo pelo qual levaram vários dias antes de agendar a data da revelação aos seus benfeitores, ou patrocinadores. Reservaram este tempo para memorizar a exaustão todo processo, sem deixar nenhuma anotação ou menção por escrito em qualquer parte, nenhum vestígio ou sugestão, qualquer chave capaz de inspirar grupos concorrentes desleais e inescrupulosos a plagiar a fórmula.

“Prezado colaborador. Lembre-se sempre de que somos uma tradicional e centenária corporação com fins lucrativos. E isso quer dizer que, todos os nossos projetos, sem exceção, têm apenas uma finalidade, ou seja, lucrar; ganhar dinheiro e nada mais. Nossos laboratórios farmacêuticos e centros médicos de referência; nossas centrais de produtos químicos e alimentos transgênicos, tudo isso faz parte desta colossal cruzada financeira, que é a nossa única razão existencial...”, eis a frase escrita em letras garrafais e afixada num quadro gigante com molduras de ouro, exposto no vão central do suntuoso salão nobre, local onde aquela revolucionária fórmula Botânica seria apresentada ao comitê gestor e patrocinador do projeto.

“Uma só aplicação, e adeus às pragas das hortaliças, verduras, frutas, grãos, raízes, solo, caules e alimentos vegetais de todos os tipos... Isso sem falar na história da regeneração celular...”, repetiu cabisbaixo, reflexivo e claramente desolado, o presidente da grande corporação, após escutar atentamente a exposição daqueles bem intencionados senhores da ciência.

“Agora imagine os senhores que somos a maior indústria do mundo na produção de pesticidas e defensivos agrícolas. Sem contar que nosso segmento farmacêutico é referência no fabrico de antialérgicos para remediar os efeitos dos pesticidas que saem de nossas fábricas e contaminam as plantações e as pessoas. E há também nossos centros médicos de referência que cuidam destes milhares de pacientes intoxicados; sem contar nossos centros de treinamento especializados em não resolver os problemas que nós criamos ou ajudamos a criar, e tanto nos esforçamos para manter...”

“E com apenas uma dose desse elixir mágico, tudo isso iria por água abaixo. Na verdade, esperávamos dos senhores uma solução apenas paliativa, a exemplo dos remédios que não curam, e que, não por acaso, representam nosso ativo mais importante. Longe de querer ser indelicado e desmerecer o notável esforço da brilhante equipe, coloquem-se no meu lugar, o que os senhores fariam?"

E após uma breve pausa para um gole de um raro licor de sabor aveludado, prosseguiu o presidente, percorrendo com os olhos os demais diretores e convidados ali presentes...

“Além disso, conversando aqui com meu amigo, diretor do comitê que representa os governos de todas as nações, isto é preocupante, uma vez que uma população sem problemas é a mesma coisa que um político assediado por grandes pesadelos. Na verdade, uma senhora pedra no sapato que irá comprometer dramaticamente a reeleição e futuro de toda classe política, sem contar as inúmeras Organizações que prosperam graças ao crescente aumento e perpeptuação dos problemas sociais...”, concluiu o contemplativo, e agora bastante sério, ilustre executivo.

Moral da História:
“Do ponto de vista dos políticos, governantes e demais instituições autodenominadas de altruístas ou benfeitoras que dependem da existência do caos para sobreviver, um bom cidadão não parece ser aquele capaz de pensar numa solução definitiva para um problema social, mas antes disso, aquele capaz de planejar um modo de criar mais problemas a partir de uma aparente e criativa solução...”

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