Autor: Alberto Grimm[1]
Publicado: 15 de Agosto de 2024
Acordou assustado com os latidos do cachorro. Em seguida, o cachorro deu um longo e amargurado uivo, e após uma breve pausa, começou a latir com vigor. Pulou da cama como se impulsionado por uma mola, correu até a cozinha, abriu devagar uma pequena fresta na porta que dava para a parte de trás da casa, e com cuidado, olhou na direção da casinha do cachorro que ficava lá num cantinho, encostada no muro, nos limites do fundo do quintal, para ver se era capaz de enxergar algo de anormal; algo que justificasse todo aquele alvoroço do animal.
Nada, não viu nada. Mas, o cachorro pareceu vê-lo, pois olhou em sua direção, e enquanto gania baixinho como se quisesse lhe dizer alguma coisa, começou a acenar a cauda com exagerada alegria. Criou coragem, abriu a porta, e na ponta dos pés, olhando para todos os lados, foi até lá conferir de perto.
Lá chegando, o percebeu inquieto, agitado, querendo a todo custo soltar-se da corrente. E apesar da generosa claridade da lua cheia daquela noite, o ambiente estava silencioso demais, sem brisa, e nem o pequeno Bacurau, inquilino de longa data daquele perímetro, a julgar pela ausência dos seus pios com os quais já se acostumara, naquele dia cumpria seu tradicional plantão.
Olhou em volta apreensivo, e cismado, resolveu levar o cachorro para dentro da casa. O animal parecia contente com aquele gesto, e também tinha pressa em entrar logo. Puxava a corrente com força, e só ficou quieto, quando já dentro de casa, viu que a porta da cozinha fora trancada.
Certamente que o pequeno animal vira alguma coisa estranha, ou não estaria agindo daquela forma; não era do seu feitio. Observou como ele parecia agradecido por ter entrado, e foi recostar-se num cantinho próximo ao fogão, meio escondido, encolhido, e de lá o fitava nos olhos, como se quisesse compartilhar com ele alguma coisa.
Então apagou as luzes e permaneceu atrás da porta, olhando por uma discreta fresta na porta, para o lado de fora, na direção do quintal. Aquela noite clara, não deveria estar tão estranhamente silenciosa, onde nem mesmo os ruídos dos bichos noturnos, se ouvia. Certamente, que tinha alguma coisa errada por ali.
Então, sentou-se ao lado da porta, para tentar colocar as ideias em ordem.
Neste momento, sua imaginação entrou em ação, e já iniciou sua frenética jornada em busca de alguma coisa fantástica para ilustrar de maneira digna a situação. Era apenas uma questão de tempo, pois certamente ela acabaria por encontrar algo que, se não explicasse o fato, cuidaria de deixá-lo no mínimo nervoso.
Foi quando escutou lá fora um barulho, como o trote de um cavalo, seguido por um ruído que se assemelhava a alguém, ou um animal de grande porte, se coçando furiosamente.
Até aí tudo estava bem, não fosse a horripilante gargalhada que ouviu em seguida. Sentiu suas pernas fraquejarem e o sangue gelar. Depois um longo arrepio percorreu todo o seu corpo, deixando seus pelos eriçados como duros espinhos, sua garganta seca com uma sensação de entalo, e seus batimentos insinuando que seu coração não tardaria a saltar pela boca.
Era o material adicional que sua imaginação precisava para dar cor, forma e até um motivo capaz de explicar a presença daquilo, seja lá o que fosse, que estava lá fora, dentro do seu quintal.
Só poderia ser algo monstruoso, um demônio, ou coisa pior, se é que isso era possível. Que soubesse, animal algum andava como se fora um cavalo, especialmente gargalhando. Mas, a questão agora era: Mesmo sendo improvável, mas supondo que fosse possível, o que tamanha e tão bizarra aberração estaria fazendo logo no quintal de sua casa?
E embora sem saber o que estava acontecendo lá fora, permaneceu de olhos fixos espiando pela fresta da porta, na expectativa de que, seja lá o que fosse, entrasse dentro no campo de visão que lhe permitia a discreta brechinha. E, antes mesmo que pudesse pensar em mais alguma coisa, quase sentiu que seu coração lhe saltaria boca afora, quando o cachorro, subitamente levantou do seu canto, e partiu latindo e rosnando ferozmente em direção à porta.
Como que tomado por um choque elétrico, afastou-se repentinamente da porta, e segurando animal com força, tapou como podia sua boca, para que deixasse de fazer barulho. Em seguida, apreensivo, retornou ao seu posto de observação, agora totalmente convencido de que alguma coisa muito estranha, de fato, estava acontecendo lá fora.
Foi quando percebeu que aquilo, seja lá o que fosse, começou a fungar com exagerada inquietação, pela fresta abaixo da porta. Nos seus braços, o cachorro tremia mais que ele, enquanto desesperado lutava se contorcendo como podia para se libertar, na esperança de ir se esconder em outro lugar, de preferência em outra dependência da casa.
Foi quando, para aumentar ainda mais o volume do seu drama, a coisa do outro lado da porta, respirando de maneira cada vez mais intensa como se fosse um grande animal, inquieta, ofegante, alternando horripilantes roncos, guinchos e bafejos, agora parecia mesmo disposta a entrar na casa.
Do lado de dentro, ele tentava visualizá-la pela fresta, mas seu corpo não mais parecia disposto a obedecer à sua vontade. Começou a imaginar o que poderia ser a tal criatura.
Pelo vulto que vira lá fora, embora de maneira breve, boa coisa não era, mas tinha certeza de que não se tratava de um cavalo, ainda que o ruído dos seus passos, lembrassem cascos.
Então, de repente, aquela estranha besta recostou-se à sua porta, onde começou a esfregar-se furiosamente, com vigor, como se estivesse testando a resistência daquele obstáculo.
Foi quando sentiu o bafo quente da sua respiração ofegante, intensa, atravessando o vão abaixo da porta, enquanto grunhia e roncava de maneira pavorosa.
De repente, um ruído como se fossem unhas, longas e fortes como garras, começou a riscar vigorosamente a madeira da porta. Só então se deu conta de que, seja lá o que aquela coisa fosse, agora espiava por baixo da porta, vasculhando o interior da casa. Ele por sua vez, completamente petrificado, colado à parede ao lado da porta, imóvel e sem respirar, não diferia de um morto vivo.
Passados alguns instantes, de repente tudo ficou em silêncio, e a julgar pelos ruídos que se seguiram pouco tempo depois, a criatura começou a se mover lentamente, trotando como se fora um cavalo, enquanto se afastava da porta. Foi então que, num ímpeto de coragem ou loucura, ele resolveu olhar através da fresta, tentando fazer uma varredura visual dos fundos do quintal da casa.
E, lá no meio do seu quintal, inicialmente de costas para ele, pode enxergar um vulto, que mais parecia uma figura humana. Era esguio, de compleição atlética incomum e enorme. Seus braços longos, ágeis, com movimentos bruscos como que guiados por impulsos elétricos, mais pareciam tentáculos metálicos. Vestia uma longa capa preta, com um chapéu de abas largas e copa alta. Ficou tão nervoso, que seus olhos embaçaram.
Esfregou os olhos, e ao focar outra vez o olhar para fora, quase cai de costas com o que viu. A aparição, seja lá o que fosse, não era coisa desse mundo, e imóvel, olhava na sua direção, como se soubesse que ele estava ali, escondido atrás da porta. Em seu horrível, pálido e indescritível rosto de aspecto maligno, um sorriso largo e brilhante era visível.
Enquanto se benzia várias vezes num ritmo frenético, pensava consigo mesmo: “Que diabos significa isso? Que espécie de criatura é essa? Será que me viu? Será que sabe que estou aqui?”
De fato, agora podia ver claramente. Seus pés eram como cascos de cavalo, e nas extremidades de suas mãos, dedos longos com enormes e afiadas garras se moviam inquietas com se tivessem vida própria, a exemplo de uma gigantesca e faminta ave de rapina, diante da caça a ser abatida. Olhou outra vez, e a coisa realmente olhava em sua direção, com um sorriso mórbido nos lábios, que exibiam longas fileiras de branquíssimos, pontiagudos e enormes dentes, de um predador implacável e faminto.
E como que, para confirmar seus temores, a incomum criatura fez um gesto com a enorme mão direita espalmada em sua direção, como se pedisse para esperá-lo, deixando claro que sabia estar sendo observada, por alguém que se escondia do outro lado da porta.
Desabou outra vez ao lado da porta, pois lhe faltavam forças para se afastar do local. E agora completamente encharcado por um pegajoso suor frio, sentia em sua garganta algo como uma bola de uma consistência quase sólida, porosa, áspera, que não subia nem descia, e que ameaçava querer sufocá-lo. Começou a respirar num ritmo tão intenso que o ar parecia lhe faltar; seus olhos não mais piscavam, suas pernas não mexiam, perdera completamente a coordenação voluntária de todos os músculos do corpo.
O cachorro, aproveitando-se da sua súbita incapacitação, desesperado, desaparecera casa adentro aos ganidos.
Então, a julgar pelos ruídos dos cascos, ouviu que a coisa lá fora se aproximava da casa num rápido galope, e depois de se jogar contra a porta, começou a forçá-la. Em seguida, começou a bater com exagerada violência na madeira. Neste momento, com o pouco da coordenação motora que ainda restara às órbitas dos seus olhos, foi capaz de perceber que as fortes dobradiças da porta, aos poucos, estavam cedendo.
Mas, ali, recostado à parede, completamente indefeso em seu irreversível estado catatônico, sem forças sequer para gritar, a última coisa que viu foi quando os pedaços de madeira da porta, totalmente destroçada, foram arremessados com extraordinária violência para dentro da casa.
Acordou assustado com os latidos do cachorro. E, sentando na cama aliviado, embora ainda entorpecido sob efeito do indescritível temor que sentira, sussurou para si mesmo: “Nossa, felizmente tudo não passou de um terrível sonho; um grande e aterrador pesadelo...”
Em seguida, o cachorro deu um longo e amargurado uivo, e após uma breve pausa, começou a latir com vigor.
Pulou da cama como se impulsionado por uma mola, correu até a cozinha, abriu devagar uma pequena fresta na porta que dava para a parte de trás da casa, e com cuidado, olhou na direção da casinha do cachorro que ficava lá num cantinho, encostada no muro, nos limites do fundo do quintal, para ver se era capaz de enxergar algo de anormal; algo que justificasse todo aquele alvoroço do animal.
Nada, não viu nada. Mas, o cachorro pareceu vê-lo, pois olhou em sua direção, e enquanto gania baixinho como se quisesse lhe dizer alguma coisa, começou a acenar a cauda com exagerada alegria. Criou coragem, abriu a porta, e na ponta dos pés, olhando para todos os lados, foi até lá conferir de perto.
Foi aí, que lembrou de já ter visto aquela cena...
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Alberto Grimm - albertogrimm@gmail.com
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Iintegral. Os Contos Curiosos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
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