Autor: Jon Talber[1]
Atualizado: 30 de Maio de 2022
Nas relações humanas, salvo algumas exceções pontuais, o que parece predominar é o status da indiferença voluntária em relação aos problemas alheios. Ocorre em todas as situações, mesmo no convívio entre Pais e Filhos, irmãos e irmãs, amigos, congregados e congregantes. Está tão presente em todas as entrelinhas do bioma humano, e especialmente na conduta do homem, que, na maioria das vezes, quando eventualmente é percebida sequer é tratada como uma anomalia, deformidade comportamental ou patologia social.
Por instinto e não por convenção, o homem é uma entidade social. Trata-se de um traço ancestral das suas memórias irracionais, onde a convivência grupal favorecia a caça e a proteção do indivíduo contra os predadores, assim como ao processo do acasalamento para fixação da sua genética nos herdeiros de sua linhagem. Evidentemente, com o tempo esse traço instintivo se tornou um simples tratado de conveniência, onde o convívio social passa a ser apenas um negócio ou simples jogo de interesses.
Entre os animais irracionais, os mais fracos são simplesmente deixados para trás, expulsos do convívio grupal pela indiferença instintiva. Não se trata de uma ação deliberadamente pensada, sob jugo de um pretenso senso de injustiça ou justiça, ou mesmo de um gesto intencional de maldade. É uma regra da natureza, onde aqueles indivíduos que depois de crescidos não são capazes de conseguir seu próprio alimento e livrar-se dos seus predadores naturais, não estarão qualificados para dar o passo seguinte, que deveria ser o batismo das suas crias.
Sem racionalidade, o sentimento de comoção é preterido em favor da sobrevivência. O irracional é social por necessidade, mas individualista egocentrado por natureza. Ele não pensa de maneira lógica, logo seu cérebro prioriza apenas os atributos do seu instinto e suas necessidades imediatas. O indivíduo da espécie humana possui o dom de quebrar esta regra, mas não de remover de si os traços primitivos do animal irracional que ainda hospeda nas profundezas do seu inconsciente.
O Ego é uma entidade complexa, e embora sua natureza seja essencialmente virtual, é o responsável pela condução psicológica do corpo somático. É um aperfeiçoamento do cérebro irracional, ao qual foi misteriosamente incorporada a capacidade de pensar de maneira lógica, planejada, organizada e complexa. Dentre todos os seres vivos, aparentemente, o atributo de pensar de maneira complexa, planejada e organizada a curto, médio e longo prazo ainda é uma exclusividade do animal homem.
Assim, meio animal irracional e agora incorporando traços de racionalidade, não só é capaz de pensar com coerência, como também de planejar seu futuro ou mesmo questionar sobre os motivos de sua existência. E passados milhares de anos progrediu de um convívio grupal semi-instintivo e sem organização para outro racional e organizado; pelo menos segundo seus padrões.
Se para o irracional a coisa desconhecida é uma ocorrência impossível de ser explorada, o mesmo não ocorre com o indivíduo dotado de racionalidade. Ele agora pensa de maneira voluntária e pode – isso não quer dizer que irá fazê-lo – questionar por que sua espécie existe. Isso é improvável de acontecer entre seus irmãos irracionais, ao menos até agora, segundo as últimas incursões científicas protocoladas nas academias do conhecimento.
Mas ainda lhe custa entender que vive em um mundo que não lhe pertence; não pertence a ninguém, embora permita o inquilinato sem restrições aos seus hóspedes temporários. Sim, ele também ainda não se deu conta de que sua estadia aqui neste planeta não será longa; pelo menos no atual estágio civilizatório. Também não lhe interessa descobrir qual a sua verdadeira função neste mundo, por isso prefere investir nos objetivos de faz de contas patrocinados por terceiros.
O Egocentrismo é outro destes atributos involuntários. Sentir-se maior que os outros é quase uma obsessão para Ego, e, inicialmente, não há nada que possamos fazer para evitar que isso aconteça. Por isso, se dependesse de nossa vontade, a qualidade de nossas habilidades, nosso modo de vestir, pensar, preferências, modo de andar, Crenças e outras posturas, tudo isso deveria servir de modelo para determinar a conduta do resto da humanidade.
Outra questão peculiar é o caso do Status pessoal, onde aquele que supostamente pode mais não é capaz de prescindir da existência daqueles que podem menos, afinal de contas, a presença destes Personagens “Secundários” é a única métrica capaz de autenticar a importância de sua posição dentro da hierarquia social. Mas, quais seriam os critérios usados para conferir o status de mais para alguns e de menos para outros?
Dinheiro, poder, pedigree familiar ou social e formação acadêmica são alguns dos ingredientes mais comuns, embora existam outros. E como nem sempre a condição que confere Status Social diferenciado ao seu portador é explícita, protocolos especiais para Dividir a Sociedade em Territórios bem Demarcados, Guetos ou Castas, foram criados. Desse modo, roupas, acessórios de grife, objetos de luxo e outros itens capazes de ser exibidos publicamente como símbolos de ostentação, passaram a fazer parte dessa bizarra simbologia segregadora.
E como no consciente coletivo dinheiro e poder significa sucesso, os indivíduos dotados de tais atributos logo são transformados em ícones, mitos, modelos dignos de imitação, fascínio ou idolatria.
No entanto, o pior de tudo é o caso da indiferença gregária, cuja manifestação é consentida e praticada por todos, até mesmo entre aqueles socialmente marginalizados. A indiferença possui muitos aspectos, características tão comuns que são invisíveis aos nossos olhos e pensamento crítico comum, e dentro do meio social, também atua como um importante agente segregador. Está presente também no preconceito étnico, ideológico, religioso, intelectual, estética corporal, status profissional, na orientação sexual, e assim por diante.
E como não poderia deixar de ser, mais uma vez, nosso Ego é o juiz dos nossos atos; um juiz capaz de defender apenas seus interesses pessoais. É o desejo paranóico de levar vantagem ou colecionar méritos atuando como agente motivador e coordenador de todas as nossas ações.
Talvez seja por isso que um milionário, indiferente a qualquer espelho que não reflita sua própria imagem, desfila com seu automóvel extravagante em meio aos menos favorecidos ou miseráveis e considera isso um Gesto Racional, digno do seu status, singular inteligência, camadas de méritos conquistados e competência. Certamente, um meritório regalo dos deuses, um crédito mais do que justo em troca de eventuais boas ações praticadas, talvez, quem sabe, em vidas passadas.
No entanto, como consolo para si mesmo, talvez ao fim da vida decida fazer generosas doações a instituições filantrópicas, ou ainda fundar as próprias, neste caso batizadas com seu nome. Trata-se de uma garantia ou salvo conduto, e uma justa e oportuna barganha sacra em forma de uma boa ação, cujos créditos certamente espera resgatar com juros e bônus extras no reino dos céus, ou quem sabe, numa próxima vida, caso seja uma realidade aquilo que pregam os mitos religiosos que direcionam o seu viver.